Abril

Maria Manuel Coelho

MM Abril 2014
Trabalhos feitos pelos alunos do concelho de Beja – org. CMB (2014)

Caminhamos pelos tempos e esquecemo-nos.

Velozes no percurso, sôfregos de virar nas esquinas certas, de não perder nunca o fio, de ser o melhor, o maior, ser o mais forte e capaz, ser ao menos igual, apagamos, com borrachas feitas dos dias felizes, os momentos que nos ensombram a meta. Lá ao longe.

Prosseguimos altivos e sem mácula, empunhando bandeiras de coragem, exibindo risos e glórias, camuflando fraturas ou réstias de fraquezas que nos comprometam o retrato que se quer à vista de todos, pendurado no mural dos dias. Uma imagem inatacável, sem sombra de fragilidade. Dos fracos não reza a História.

Armados de um presente que importa transpor sem desacerto, os passados que fomos coleccionando não são para perpetuar.

Depois, sem aviso e a propósito de nada ei-los que voltam.

Resgatados do mais fundo da memória, com a força de murros no estômago, agridem-nos com vislumbres do que foram e ainda são. Provam-nos que permanecem, resistem, perduram, para sempre enterrados na pele dos sentimentos que somos.

Pode ser um pássaro ou um pedaço de céu, a fronte gasta de quem, ao nosso lado, entoa a Terra da Fraternidade com os olhos rasos de sal. Pode ser um sopro de Primavera, um cheiro a cravos, trovas antigas e um traje de camponês, a melodia que promete que agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu. Pode ser quase nada e, ainda assim, ser tudo.

Mas um minuto haverá em que, de novo, sabemos quem somos.  E aí, com orgulho, erguemos punhos de certezas e sossegamos sabendo que valeu a pena e o legado vingará.

[É Abril e fico sempre assim quando ouço as vozes dos Poetas]

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