
Mariana Oliveira, 27 anos, é natural de Beja. Começou por estudar Medicina, na Universidade de Coimbra, mas acabou por se licenciar em Português (com Menor em Filosofia) na Faculdade de Letras daquela Universidade.
A sua vida passou-se, até agora, entre três cidades: Beja, até aos 18 anos, Coimbra, até aos 24, e Lisboa desde então.
Passou pela Rádio Universidade de Coimbra e trabalha, atualmente, na Antena 3/RTP, onde apresenta um programa de grande entrevista, “Razão de Ser”, um magazine de divulgação cultural, “Domínio Público”, e uma rubrica sobre livros, “Paraíso Perdido”.
Mariana Oliveira é a Senhora que segue no Expoente M, no mês em que se celebra o Dia das Redes Sociais, a que os meios de comunicação social não poderiam alhear-se e às quais a Rádio, em primeira linha, e com sucesso, se adaptou.
Tem a vida que idealizava?
Não… No sentido em que nunca “idealizei” fazer o que faço hoje (rádio). Uma sucessão imprevista de bons acasos trouxe-me até aqui por um caminho que não teria conseguido prever. Mas diria que, em “espírito” (isto é: descontando os aspetos mais práticos que caracterizam aquilo que fazemos; ficando só com o esqueleto essencial dessa atividade), estou num lugar que me agrada.
Além disso, parece-me saudável não dizer, aos vinte e tal anos, que já tenho a vida que idealizava. Daria uma sensação demasiado estática (e até, em certa medida, assustadora) da “vida” – porque, habitualmente, não há nada para além da meta.
Tenho, obviamente, muitas coisas de que gosto: gosto do que faço; gosto das pessoas com quem faço o que faço.
Mas idealizar a vida é uma coisa que se vai fazendo ao longo do caminho: respondendo e interpretando um sentir presente, sem abdicar da noção de projeto apontado a um futuro sem termo.
De modo que: não, não tenho (ainda) a vida que idealizava… E ainda bem.
A intervenção/participação na sociedade deve ser uma preocupação de todos?
Deve ser uma preocupação ao alcance de todos. Isto é: devemos caminhar, enquanto comunidade, para um lugar onde não haja excluídos à partida. O que cada um faz com essa liberdade… É com cada um.
Podemos, é claro, perguntar-nos o que é participar/intervir na sociedade. É militar num partido político? É fazer voluntariado? É escrever coisas no facebook? Esses são os sentidos mais imediatos que se dá à noção de “participar na sociedade”. Mas há outros, eventualmente mais interessantes.
É difícil encontrar algum ser humano que, pelo simples facto de estar vivo, não intervenha/participe na sociedade de alguma maneira. E isso, em si mesmo, pode já ser uma coisa extraordinariamente significativa. Um médico que seja excelente em todos os aspetos daquilo que faz já está a intervir na sociedade de uma forma altamente especial e complexa. Uma pessoa que faz a vida dos outros menos insuportável porque escolhe usar o seu pequeno poder nesse sentido é uma coisa valiosa.
Não estou fazer uma defesa do individualismo ou da indiferença: estou a dizer que não precisamos de ser literais quando pensamos no que é “participar na sociedade”.
Dito isto… Não tenho a ingenuidade de achar que o mundo é justo e maravilhoso.
Podemos não lhe chamar luta de classes, mas vai haver sempre quem queira coisas e tenha os meios para as atingir e uma imensa legião de pessoas que têm passar o tempo em posição de vigilância para não serem objetos ao serviço desses interesses.
No seu caso como a pratica?
Tento fazer bem as coisas que faço (questionando escolhas, questionando automatismos…)
Tento estar atenta ao mundo (e não perder de vista de que lado é que estou).
Tento ser decente.
Como vê a conciliação, atualmente, da vida profissional e familiar/social?
No meu caso… A vida profissional ocupa, neste momento, uma fatia muito generosa do meu tempo. Mas estou numa fase em que posso permitir-me a isso.
Na sua vida existe equilíbrio entre a vida profissional e familiar/social?
Não existe um equilíbrio se a contabilidade for feita sempre ao final de cada dia (há dias em que o “profissional” vence por larguíssima margem). Mas, a longo prazo, creio que a média não é tenebrosa.
Já sentiu que a sua afirmação profissional e/ou pessoal foi dificultada ou condicionada por ser mulher?
Não. Nunca o senti numa forma explícita e boçal de discriminação. Mas tenho noção de que isso não é um privilégio generalizável.
Agora: mesmo que, como no meu caso, essa “dificuldade” não nos apareça à frente de forma escancarada, é evidente que ainda estamos na pré-história da igualdade de género. É estatisticamente bizarro que, em 45 anos de democracia, só tenha havido uma mulher chefe de governo e nenhuma presidente da república. Há logo quem venha dizer: mas as pessoas devem chegar aos sítios pelos seus méritos, não por serem homens ou mulheres. Certo. De acordo. Mas eu não estou a falar de pessoas específicas. Estou a dizer que esta (e outras: os exemplos são inúmeros) desproporção é estatisticamente bizarra. Não há nenhuma razão aceitável que explique isto.
As mulheres partilham pouco, guardam muito para si?
Não penso que haja diferenças de caráter associadas ao género.
Tenho, nisto, uma visão muito friamente científica: “ser mulher” é uma condição determinada pelo facto de ter dois cromossomas X. O resto são construções sociais, a partir das quais – às vezes inocentemente, cheios de boas intenções – validamos os princípios que queremos justamente atacar. Para mim, faz tanto sentido dizer que uma mulher é menos capaz do que um homem para ocupar um cargo de liderança como dizer que as mulheres têm uma sensibilidade especial para lidar com crianças. Um parece uma ofensa; outro parece um elogio. Mas radicam ambos na mesma espécie de preconceito.
O que é preciso para que as mulheres possam ver garantido o seu direito à igualdade?
Não tenho uma resposta para isto… Mas parece-me que não pode deixar de ser um processo político. É ingénuo ficar à espera que as “mentalidades” mudem. As mentalidades vão para onde as empurram…
Como podem as mulheres contribuir para a concretização dessa Igualdade?
A uma escala individual, levando até às últimas consequências a intolerância à injustiça (sei que isto é utópico).
Qual é o seu maior sonho?
Não morrer com nenhum grande arrependimento atravessado na garganta. Não deixar de perseguir alguma coisa por cobardia (ou, pior, por preguiça).
Gostei.
GostarLiked by 1 person