ars athletica
Sónia Calvário
Recentemente foi conhecida a fundamentação do Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne (TAS) no caso que opôs Castor Semenya (acompanhada pela Federação da África do Sul) à Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), de que falámos aqui.
Relembra-se que a ação visava, especificamente, os critérios de elegibilidade previstos no Regulamento destinado às atletas com “Diferenças de Desenvolvimento Sexual”, que reduziu, de 10 para 5 nmol/Lt, os níveis de testosterona para as atletas que pretendam competir nas provas entre os 400m e os 1500m/1milha. Os níveis, se superiores, terão de ser controlados por via medicamentosa. O diploma substituiu o anterior, que foi considerado discriminatório, pelo TAS, no processo intentado por Dutee Chand, que acabou por não ser abrangida pelos novos critérios, uma vez que não compete nestas provas.
Sumariamente, Semenya considerou que o Regulamento se baseia numa discriminação em função do nascimento – de características naturais, físicas, genéticas ou biológicas, que não controla; e do sexo, por impor testes e critérios de elegibilidade apenas às atletas femininas; acusou também o IAAF de avançar com a teoria de que as mulheres que sofrem do desvio genético de que padece Semenya são homens biológicos, tendo um sexo desportivo masculino, o que configura uma discriminação de género, baseada na aparência física, em características de virilização. A atleta considerou ainda que existe violação da igualdade quando os critérios apenas respeitam a algumas provas.
No Acórdão conclui-se que o Regulamento é discriminatório, mas legítimo, racional e proporcional. Que é a biologia humana, não o estatuto legal ou a identidade de género, que, em última análise, determina que características físicas dão uma “insuperável vantagem” aos indivíduos, sendo que “a divisão masculino/feminino na competição não serve para proteger atletas female legal sex”, nem a identidade de género. O que se protege, diz-se, é que determinadas características, adquiridas depois da puberdade, criem “uma significativa vantagem que impossibilita uma justa competição entre os grupos”.
Entendeu o Painel de Árbitros que, no caso, colidem a ciência, a ética e considerações legais, e que, para que se garantam uns direitos, é necessário restringir outros: o direito de qualquer atleta competir desportivamente, ter o sexo legal e a identidade de género, livre de discriminação, em oposição ao direito das restantes atletas, e da classe. Reconhece-se que nem todas as mulheres encaixam perfeitamente no critério binário, que divide as competições por sexos. E “é o alinhamento imperfeito entre natureza, lei e identidade” que legitima regular a elegibilidade para os eventos desportivos.
Resta, por ora, referir que, quanto a características genéticas que atribuem uma vantagem, real, existem alguns exemplos de atletas masculinos, como Michael Phelps, nadador, recordista, que apresenta uma compleição física, de porte e nos membros superiores (mãos e braços) e inferiores (pés), que lhe dão clara vantagem. Mas o tratamento da comunidade desportiva tem sido outro…