ars atlhetica
Sara Mesquita
O Regime Jurídico das Sociedades Desportivas surge na expectativa de criar um regime igualitário, onde se estipula que nas competições profissionais só podem participar sociedades desportivas (SAD ou SDUQ).
Neste sentido, e entre outros aspetos e formalidades, que alimentam os amantes do Direito do Desporto e aborrecem os amantes do Desporto, um clube que esteja prestes a alcançar a sua posição numa competição profissional, só consegue atingir o fim pretendido se constituir uma sociedade desportiva, seja ela uma SDUQ – a quota única da sociedade pertence exclusivamente ao clube fundador – ou uma SAD.
O objeto das sociedades desportivas deve consistir “na participação numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que estas sociedades têm por objeto.”
E estas podem ser constituídas de três formas:
- De raiz – a sociedade a constituir não está associada a nenhum clube, apesar de ser possível ter um clube como sócio.
Naturalmente, e como o próprio conceito indica, esta sociedade desportiva surge ex novo e a sua participação nas competições desportivas começa pela competição mais baixa da modalidade;
- Por transformação do clube – a sociedade “ocupa” o lugar do clube.
Atendendo ao facto de, nas SDUQ, o clube ser o único titular da participação da sociedade, esta forma de constituição de sociedades só poderá ser utilizada na constituição de sociedades anónimas.
- Pela personalização jurídica de uma equipa – o clube continua a existir, detendo uma participação privilegiada na sociedade desportiva.
E é nesta forma de constituição das sociedades desportivas, que nos vamos focar agora para analisar a possível manutenção do Belenenses SAD nas competições profissionais, depois de o clube alienar a sua participação, caso isso venha a acontecer.
No ato de constituição da sociedade desportiva, os contratos dos atletas e a posição do clube na competição desportiva transmitem-se obrigatoriamente do clube para a sociedade desportiva.
Em regra, no momento da constituição da sociedade desportiva é celebrado um protocolo entre esta e o clube, onde é definida a utilização do símbolo, do estádio, dos veículos automóveis, das receitas das bilheteiras, etc..
No “Caso do Belenenses”, o clube denunciou o protocolo celebrado com a SAD, motivo pelo qual esta última deixou de estar autorizada a usar os símbolos e sinais distintivos do clube e, bem assim, o Estádio do Restelo, uma vez que estas matérias encontravam-se reguladas no protocolo e não se transmitiram para a SAD no momento da sua constituição ou em momento posterior. Aliás, as instalações desportivas podem ser cedidas pelo clube à sociedade desportiva, mas não podem ser transmitidas.
O que distingue as SAD’s constituídas pela personalização jurídica de uma equipa das restantes formas de constituição de sociedades desportivas é, principalmente, a existência de ações de categoria A e ações de categoria B.
As ações de categoria A pertencem exclusivamente ao clube fundador, não podendo a participação direta do clube na SAD ser inferior a 10% do capital social. As ações de categoria A conferem direitos especiais ao clube, nomeadamente o direito de veto das deliberações da AG que tenha como objeto a fusão, cisão, ou dissolução da sociedade, a mudança da localização da sede e os símbolos do clube, desde o emblema ao equipamento e ainda o poder de designar, pelo menos, um dos membros do órgão de administração, com direito de veto das deliberações que tenham o mesmo objeto indicado para o veto do clube.
Analisando o regime é fácil perceber que a intenção do legislador ao criar esta forma de constituição de sociedade desportiva foi privilegiar e proteger o clube fundador. A não ser assim, os sócios e adeptos sentiriam cada vez mais o distanciamento do seu “clube do coração” e deixariam de ter qualquer poder de decisão sobre o mesmo. Esta forma de constituição de sociedade desportiva é criada pelo legislador para manter os sócios e adeptos ligados ao clube.
Se o clube transmitir a sua participação na SAD e se dissociar totalmente desta, deixam de existir ações de categoria A e passam a existir ações exclusivamente de categoria B, tal como acontece nas demais formas de constituição de sociedades desportivas.
A constituição da SAD nestes termos só é possível porque existe um clube que lhe dá legitimidade para começar a competir, sem ser na competição mais baixa da modalidade. O clube fundador não é apenas um titular de ações privilegiadas, na minha modesta opinião, que confesso não ser unânime, o clube fundador é o coração da SAD, e se este deixar de bater, a SAD morre.
A “morte” da SAD acontece porque a participação mínima legalmente exigida não deve, a meu ver, estar verificada apenas no momento da constituição da sociedade, mas sim ao longo de toda a vida desta. Até porque os privilégios concedidos ao clube fundador pressupõem a sua participação na sociedade, estando o regime pensado para a continuidade do clube fundador na SAD. Esta “morte” da SAD não significa necessariamente a sua dissolução total por perda superveniente do seu objeto, podendo haver lugar à sua transformação. Mas uma consequência deverá sempre ser comum a qualquer que seja a “morte” da SAD: a disputa das competições pela competição mais baixa da modalidade, não devendo a SAD permanecer na posição que alcançou pela personalização jurídica de uma equipa. Aliás, isso seria uma batota tão descarada que a verdade desportiva que todos queremos alcançar na sua plenitude, ficaria cada vez mais distante.
Faltam Mulheres com garra nas SAD’s!!