Descartes e Democracia

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Só Catarina

 

Quando escreveu a sua famosa obra, O erro de Descartes, não saberia António Damásio que a dualidade que descrevia como erro poderia ser transposta para a definição do conceito de democracia?

Na verdade, quando diz Damásio que Descartes incorreu no erro de separar o corpo da alma e achar que estes eram dissociáveis e a sua criação era independente, facilmente se pensa que também a criação do sistema democrático depende de um corpo que o suporte e sem o qual não existe. Esse corpo são os eleitores.

Tal como não chamamos humanos a seres que não têm um corpo e uma mente, não se pode chamar a um sistema democrático quando os seus eleitores não votam.

Pressupõe-se que não funcionam um sem o outro: o corpo sem mente não mexe, a democracia sem eleitores não age.

E sabemos porque os eleitores teimam em não deixar a democracia agir?

Sabemos. Sabemos que o afastamento da política da maioria dos eleitores dita também o seu afastamento das mesas de voto. Com expressões como «estão lá sempre os mesmos» e «são todos iguais», descartam a sua responsabilidade de pôr o sistema a funcionar, de pôr a democracia a agir.

E descartam, primariamente, perceber como funciona este sistema. Caso contrário, rapidamente chegariam à conclusão que «os mesmos de sempre» são também eleitores, que não é preciso um curso específico para ser «o mesmo de sempre» e que estes «mesmos de sempre» são, maioritariamente, do distrito em que exercem o seu direito de voto, do seu círculo eleitoral.

Nas eleições legislativas, ao contrário das eleições europeias, os votos são apurados por círculo eleitoral (simplificadamente, por distrito), e não a nível nacional. A implicação é óbvia: os distritos mais populosos elegem mais deputados, de partidos grandes ou pequenos. Elegendo mais deputados, a probabilidade de os eleitores saberem em quem estão a votar, em que pessoa, dissipa-se. Por outro lado, distritos com menos eleitores sabem com bastante certeza quem os irá representar na Assembleia da República.

Na verdade, são os eleitores que não votam que escolhem «os mesmos de sempre», e não o seu contrário. São os eleitores que não se interessam que deixam a defesa dos interesses do seu distrito a nível nacional nas mãos de quem não conhecem.

Descartes errou. Mas se estivesse a falar de política, estaríamos inconscientemente a dar-lhe razão.

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