a crónica

excorgitações

Sofia

Tanta coisa sobre a qual podia escrever e fiz uma crónica sobre coisa nenhuma.

Quiçá o título seja impreciso: com efeito, quando estas palavras começaram a dançar na minha cabeça, o tema tinha atualidade, acuidade e algum interesse; mas, numa época de diarreia informativa as estórias têm uma duração ainda inferior à eficácia do IMODIUM®. Pelo que já ninguém se lembra de uma petiza chamada Fatima Habib, cujos árbitros xenófobos e islamofóbicos impediram de jogar uma partida de basquetebol, nesses estranhos reinos dos algarves, razão pela qual, durante um par de dias foi mártir nacional da lusitânia das redes sociais.

Declaração de interesses: percebo pouco de religião e de basquetebol só me recordo das unhas partidas por aquela bola imbecil. Mas o tema deitou-se comigo há umas semanas e acordei com vontade de o exportar para o teclado. Como deixei escrito, sou pouco dada a coisa da religião, possivelmente agnóstica, filha de um pai profundamente ateu e de uma mãe de imensa religiosidade. O que provocou debates sobre a minha formação, quando o meu pai terminantemente me proibiu de frequentar a catequese, arrematando uma frase que várias vezes o ouvi repetir: filha minha não vai a um sítio onde a ensinam a ajoelhar-se (frase que ficou gravada em mim, muito antes de conseguir interpretar o significado oculto).

Mas, escrevia, sendo pouco sensível à temática, sempre guardei do islamismo o lugar-comum da subjugação das mulheres, da imposição do véu, das restrições aos direitos, sujeitando as mulheres a crueldades inaceitáveis. Pelo que, por certo devido à minha ignorância, não entendo a clamor nacional em solidariedade com um pai que apenas permitia que a sua filha jogasse se respeitasse as tradições que subjugam os direitos das mulheres.

E nem vou deixar escrita a trivialidade evidente (embora o que parece óbvio, muitas vezes deva ficar escrito) que jamais uma miúda portuguesa poderia jogar num país islâmico sem respeitar integralmente o costume local, porque essa é a diferença entre os países intolerantes e o mundo ocidental. Como, não atiro pedras ao pai da petiza: se o homem é ele próprio e a sua circunstância, o Senhor Habib é, estou certa, tão bom pai quanto consegue ser.

Num tempo em que somos venturas ou joacines e nos digladiamos como loucos nos extremos, importa convocar Aristóteles e recordar que a virtude tende a estar nos meios: sendo certo que a petiza é uma vítima, a única inocente nesta história sem estória, uma palavra aos dirigentes da federação de basquetebol que em menos de uma semana lhe  ofereceu um equipamento que permite jogar segundo as regras da modalidade e da religião que professa. Felizmente, as redes sociais são pródigas e amanhã existirão novos anjos e demónios a crucificar…

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