Ângela Gonçalves Marques
O final do ano pediu balanços. Do bom. Do mau. Dos objectivos cumpridos. Dos traçados para o que aí vem. Nesta senda, perguntaram-me há uns dias, no trabalho, qual tinha sido a notícia que mais me tinha marcado. Foi instantâneo: “O gajo que matou a filha no Seixal”.
Foi no dia 5 de Fevereiro. Lembro-me como se tivesse sido esta manhã. Estávamos na redacção, tinha terminado o noticiário grande da manhã e estávamos a preparar o próximo. Um colega, de um lado para o outro, desdobrava-se entre o telemóvel e o telefone fixo. Tinha cara de caso. Parou e disse: “O gajo matou a bebé”. Bang! Sabíamos perfeitamente do que se tratava. No dia anterior um tipo tinha ido a casa da sogra, matou-a e fugiu com a filha de 3 anos que estava ao cuidado da avó. Lembro-me de termos congelado por uns segundos, de termos de preparar a cobertura do caso e de ter entrado no ar para dar a notícia. Não há forma certa de dizer que foi encontrada morta, dentro da bagageira de um carro, a menina de três anos raptada pelo pai. Era a Lara. Foi, para mim, a pior notícia do ano.
A violência doméstica, tantas vezes associada – e bem – às mulheres mortas pelos maridos, ganhava aqui uma dimensão monstruosa. Um pai matava uma filha para se vingar da mulher. A humanidade não existe aqui. E 2019 foi um ano monstruoso neste aspeto. Mais de 30 mortes. Fazemos sempre as mesmas perguntas. Temos sempre as mesmas respostas. Na prática, zero. Há sempre mais um caso, há sempre mais uma vítima. Tenho medo que se torne banal. Tenho muito medo.