carrossel dos esquisitos
Ana Ademar
Houve um momento em que achei que seria interessante e útil fazer uma lista de coisas que eu aprendi. Porque é que seria interessante ou útil, não sei. Talvez na eventualidade de uma segunda vida ser possível e podermos entrar, nessa segunda vida, com o conhecimento adquirido na primeira.
Daqui podemos concluir que o que se segue é inegável e totalmente inútil.
Esta lista será talvez uma espécie de estado da nação parcelar. Neste contexto a nação sou eu (qual Luís XIV) e isto é só uma forma, idiota e ineficaz de me situar.
Os itens podem ou não ter uma ordem específica e alguns podem ou não estar relacionados entre si.
Estas verdades são absolutas no momento em que as escrevo, sendo que me reservo o direito de desmentir qualquer uma delas noutro momento qualquer.
A lista é e será óbvia e eternamente incompleta. Reservo o direito de a completar e também o direito de nunca mais pensar nela.
- As pessoas são, na generalidade, egoístas. Nós próprios inclusive, mesmo quando pensamos que não.
- Uma só pessoa pode ser egoísta, boa e péssima pessoa, generosa, carinhosa e fria e tudo o mais. Somos uma amálgama de tudo, em doses variadas e as circunstâncias ajudam a definir o que somos, quer na vida em geral, quer em momentos específicos.
- Há momentos específicos em que a personalidade maravilhosa que todos pensamos possuir não vem ao de cima. O que vem é a lama que repousa no fundo e que todos gostamos de pensar que não temos.
- Ser boazinha pode ser apenas um sinónimo de ser parva. O que não é razão suficiente para parar de tentar sê-lo.
- Ser boazinha pode ser apenas uma forma cobarde de estar na vida provocada por um medo absoluto de fazer frente aos outros.
- As pessoas podem habituar-se a ser infelizes e não aceitar nada mais na vida além de sofrimento, por acreditarem que se por acaso viessem a ser felizes, haveria o risco de, de um momento para o outro, deixarem de o ser.
- O medo faz as pessoas parvas. As pessoas são, na generalidade, parvas. Nós próprios inclusive, mesmo quando pensamos que não.
- Em maior ou menor grau, todos nos importamos com o que os outros pensam a nosso respeito. Esse grau é o que define a nossa necessidade e esforço de agradar aos outros.
- Não vale a pena tentar agradar a todos, é impossível e não faz mal que algumas pessoas não gostem de nós. A maior parte não vai tentar entender as nossas razões e está tudo bem. Nós fazemos o mesmo.
- Isto é tudo muito rápido e há pessoas, coisas, situações, que não valem a chatice que dão.
- Até muito tarde na vida menosprezamos a paz de espírito e afinal, apesar do penteado ridículo, o Paulo Bento tinha razão: a tranquilidade é fundamental.
- Assumir que há coisas tudo dá trabalho torna-nos a vida mais simples. Porque é verdade.
- Nada é fácil e o que o é, na generalidade, sejam situações ou pessoas, não dá grande satisfação.
- Mesmo que pudéssemos, não adiantaria nada voltar atrás no tempo e explicar a nós próprios 20 anos mais novos, o que vamos aprendendo – nunca acreditaríamos. E é isso que tem tanta graça: andarmos todos, geração atrás de geração, a aprender mais ou menos as mesmas coisas e a não termos forma de avisar os que aí vêm.
- Efectivamente existem livros e filmes chatos. Mesmo que o mundo diga que são obras primas. Podem muito bem sê-lo, mas se o meu cérebro se recusa a colaborar na leitura ou visionamento do mesmo, eu tenho o direito de os deixar a meio e passar a outro. Sem sentimentos de culpa.
- Viver bem com a nossa consciência é impagável. Mas porque nos assuntos do mundo pouca coisa é preta ou branca, antes reinam muito mais do que 50 tons de cinzento, tomar decisões não é simples. As nossas escolhas podem revelar-se, a posteriori, questionáveis. O que pode provocar dificuldades na convivência entre nós e a nossa consciência. Nestes casos, resta-nos apenas assumir o erro, tentar emendar o que houver e puder ser emendado e seguir em frente, de preferência sem culpa.
- As pessoas são o melhor do mundo.
- As pessoas são o pior do mundo.
- Não podemos viver isolados, ainda que às vezes apeteça muito.
- Há-de haver um meio termo para tudo, mas é muito difícil de encontrar.
- Existirá certamente o sítio exato onde a resiliência deixa de o ser e passa apenas a ser teimosia. Ou então a diferença entre ser coisa e outra, resiliente e estúpido, é apenas o resultado final. Ninguém conhece as histórias de gente estúpida que teimou numa estupidez e não conseguiu nada a não ser uma monumental perda de tempo e de esforço. Só nos chegam as histórias de bravos resilientes que lutaram por qualquer coisa aparentemente impossível e conseguiram vencer. Perceber a diferença entre uma coisa e outra antes do fim da história seria coisa para valer milhões, mas tornava certamente tudo muito mais aborrecido.
- Não faz mal nenhum insistirmos em fazer coisas que nos divertem, mesmo que não sejamos muito bons a fazê-las.
- É perfeitamente legitimo fazer listas de coisas inúteis que achamos ter aprendido.
- É perfeitamente legitimo que algumas das “lições” sejam tão verdadeiras quanto o seu contrário.
- É perfeitamente legitimo não ter muitas certezas. É talvez mais prudente do que ter muitas.
- Podemos mudar de opinião mesmo num curto espaço de tempo. Digamos, meia hora.
- É difícil colocar vírgulas nos sítios certos.
- Gosto de pensar que assumir que se tem uma dificuldade não nos fragiliza, mas é muito possível que esteja errada.
- É muito fácil assumir que estou errada porque parto do princípio que, na generalidade, as pessoas sabem mais do que eu. Vai-se a ver e sou só parva. Afinal em terra de cego, quem tem olho é rei e eu podia escrever um livro só com listas parvas de aprendizagens aleatórias, o livro ser um best seller e eu ficar com a vida resolvida.
- Para mim é extremamente fácil ser parva, mas é muito difícil ganhar a vida com isso.
- Porque assim que acabo um item desta lista, me vem à cabeça um outro que é tão aleatório, parvo e desinteressante quanto o anterior, está a ser muito difícil dar por terminada esta lista.
- Há coisas que são difíceis de terminar, mas a melhor a forma de o fazer é sempre a mais simples: com um ponto final.
Ponto final