e agora eles
Paulo Monteiro
Com a chegada do andré ventura ao Parlamento, Portugal deixou de ser um dos últimos países da Europa onde a presença da extrema-direita ainda não se fazia sentir…
É fácil enumerar as razões pelas quais o chega é um partido absolutamente miserável: é um partido que fala do peso excessivo dos impostos mas cujo líder fez campanha ao lado do Passos Coelho nos tempos da Troika; um partido que clama por liberdade de expressão, mas que teve como porta-voz o abjeto Sousa Lara, que censurou um Prémio Nobel – Saramago; um partido cujo líder é suspeito num megaprocesso de corrupção autárquica; um partido cujo líder afirmou dedicar-se em exclusivo ao cargo de deputado quando fosse eleito, mas que acumula mais 3 cargos; um partido que fala da violência em Portugal como se estivéssemos a viver numa guerra civil (quando somos o 3º país mais pacífico do MUNDO); um partido que se apropriou de uma manifestação de TODOS os polícias como se fosse sua; um partido que fala como se fossemos o país mais corrupto à face da terra (quando estamos em 146º lugar entre 179 países segundo os observatórios internacionais – há, portanto, 145 países com índices de corrupção superior ao nosso – não é motivo de orgulho – é a verdade); um partido que acusa a etnia cigana de “sugar” o rendimento mínimo de inserção (quando os ciganos são cerca de 3,5% do total de pessoas que recebem subsídio); um partido que quer privatizar a Educação e o Serviço Nacional de Saúde (não sei se ainda quer – o chega é também um partido que muda de programa só para agradar aos seus eleitores); um partido cujo líder quer visitar hospitais (públicos) em pleno surto de coronavírus, numa atitude absolutamente contraproducente, só para angariar simpatias entre os menos avisados… Em suma: um partido de aldrabões, xenófobo e racista, impregnado de nazis, cujo líder mandou uma deputada da nação para a « sua terra ». Por ser negra e ter nascido na Guiné-Bissau.
Como reação a estas críticas, o chega acusa aqueles que as fazem de pertencerem à « esquerda radical ». Ou de atentarem contra a democracia por quererem « calar o chega ». Como diz um amigo meu, e muito bem, a extrema-direita manda as pessoas para a sua terra. A « esquerda-radical » como lhe chama o ventura, não manda ninguém para lado nenhum. A extrema-direita quer decidir quem ama quem e o que é uma família. A « esquerda-radical » acha que cada um ama quem quer e que a família só diz respeito a quem a ela pertence. A extrema-direita quer acabar com o Estado Social. A « esquerda-radical » quer mais Estado Social. Existe uma diferença entre querer nacionalizar os CTT e querer « mandar os pretos para a sua terra». A extrema-direita, que chama « monhé » ao nosso Primeiro-ministro, acha que existem pessoas melhores do que outras por causa do seu tom de pele, da religião que professam e do local onde nasceram. A « esquerda-radical » não. A extrema-direita é miserável. Tolerar a sua presença é uma fragilidade da democracia: xenofobia, homofobia e racismo não são opiniões. São crime.
Apesar destas evidências não é fácil desconstruir o discurso do chega… O discurso do “Ah, e tal, o ventura diz umas verdades”.
Se o ventura é mentiroso, « os outros também são ». Se o ventura tem uma opinião de dia e outra à noite, « os outros também têm ». Se promete dedicar-se em exclusivo ao trabalho como deputado, mas continua a receber de vários cargos, « os outros fazem o mesmo ». De alguma forma o ventura conseguiu criar o estigma de que os políticos são todos iguais. E todos corruptos. Não são ! Nem uma coisa nem outra !
Nos últimos meses tenho debatido este assunto com muita gente. Sempre com educação. E com a elevação possível de quem mexe no lixo com as mãos nuas. Alguns simpatizantes e apoiantes do chega eram pessoas por quem tinha estima e consideração. Revelaram-se da pior maneira. É bem verdade que nunca chegamos a conhecer verdadeiramente os outros. Excepto quando são postos à prova. E estar ao lado do ventura é uma prova de ignorância, mesquinhez e maldade. A ignorância pode compreender-se (quantos apoiantes do chega leram o programa do partido?). A mesquinhez pode desculpar-se. Mas a maldade não tem perdão. E é de maldade e falta de empatia com o outro que falamos.
A vida não é fácil para a maioria das pessoas. E o ventura canaliza para si todos os desejos não satisfeitos, todas as frustrações. Desde as pensões de miséria que muitos recebem (e que são, na realidade, indignas de um país como o nosso) até à raiva acumulada do vizinho de cima por não suportar ouvir a música do vizinho de baixo a horas impróprias. O ventura resolve. Infelizmente a ele não lhe interessa o sofrimento humano. E muito menos resolver esses problemas tendo como princípio a construção de uma sociedade mais humana e mais fraterna. A ele interessa-lhe correr com os emigrantes. Mandar quem lhe faz frente (se for negro) para a « sua terra ». E castrar pedófilos, claro… A pedofilia não tem desculpa. A castração química também não! Por este andar dentro de poucos anos estaríamos a cortar mãos a quem roubou…