Cravos à Janela e Liberdade da Marquise*

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José Sena Goulão/Lusa

carrossel dos esquisitos

Ana Ademar

Ana Ademar||Expoente M Rádio

Poucas coisas que vivi foram mais emocionantes do que este 25 de Abril, os dias antes e o dia depois. Tenho tido os olhos rasos de lágrimas um monte de vezes, tenho chorado desalmadamente outras tantas…

Todos os anos o celebro, porque isto de tomar a Liberdade por garantida é erro crasso. Porque é preciso lembrar o que foi, para valorizar e defender o que é e sabermos lutar pelo que pode ser.

Este ano as celebrações seriam necessariamente diferentes da habitual e não pensei muito nisso. Em vez de nos Infantes com um grupo de gente, copo de tinto na mão e à meia-noite, de braço dado, entoar a “Grândola, mais ou menos afinados, mais ou menos a tempo, com a letra mais ou menos sabida, mas com a emoção à flor da pele – cantaria com toda a certeza, mas provavelmente sozinha ou acompanhada pelo Zeca na aparelhagem.

Entretanto as iniciativas começaram a multiplicar-se. O entusiasmo foi contagiante e se é para haver pandemia, que sejam deste tipo! E valham-nos as redes sociais!, que isto tem sido de celebração em celebração, imagem em imagem, vídeos e áudios maravilhosos.

É que estou mesmo convencida de que, precisamente por causa das restrições em que vivemos, a vontade de assinalar a data tomou conta de nós. E ainda bem.

A imagem deste 25 de Abril é, indubitavelmente, a do senhor que levou Portugal às costas Avenida da Liberdade abaixo. Carregou-nos a todos num corpo frágil, ligeiramente curvado, mas convicto da missão e certamente da necessidade de que, se há altura em que os valores da revolução devem ser lembrados, é precisamente esta (fotografia de José Sena Goulão/Lusa).

Emocionou-me profundamente a fotografia de um senhor à janela a dizer adeus e na legenda podia ler-se qualquer coisa como: “já ouvimos a “Grândola” 10 vezes, e o meu pai de 80 anos continua à janela a cantar e a cumprimentar toda a gente que passa na rua”.

Inesquecível é o directo no Instagram do Bruno Nogueira onde o Vhils esculpe a cara de José Afonso na parede da sala enquanto ouvimos a “Grândola” e, (valham-me os lenços de papel!) a versão doce e emocionante do “E depois do Adeus” que o Nuno Lopes fez no mesmo directo.

O vídeo maravilhoso que os Baal 17 conseguiram fazer com mais de uma centena de vozes convictas a cantar o hino da revolução. O galego, que vi no telejornal, debruçado na janela a entoar com grande entusiasmo, a Grândola.

A Ressurreição da Revolução, um colectivo do qual faço parte, resolveu organizar um festival online com tudo o que fosse chegando desde que o mote fosse a liberdade e foi incrível! Explicando em duas ou três linhas o que era o 25 de Abril não demorou até começarem a chegar vídeos dos Estados Unidos, do Brasil, França, Espanha e um pouco de todo o país. Chegou também o recado de uma brasileira do Rio de Janeiro dizendo: “Hoje sou toda cravos e encarnado”…

E, porra! o 25 de Abril é mesmo importante. É fundamental repensarmos a Liberdade que, de um momento para o outro, de forma temporária e por uma boa razão, é certo, perdemos. Repensá-la em termos de: o que fazemos nós com ela. Como a usamos? Quais são as nossas verdadeiras dependências? O que é que nos faz mesmo falta? Para já, depois destes três dias em que me tenho emocionado a uma média de 3 a 4 vezes por hora, a resposta mais imediata: é os outros. O colectivo, o conjunto. É talvez isso que nos esteja a fazer mais falta nestes dias e por isso nos agarrámos ao 25 de Abril como “desculpa” para nos juntarmos de forma comovida, celebrarmos o feito histórico de 74, ganharmos forças e percebermos, em coro, que fazemos falta uns aos outros de uma maneira que não sabíamos: por dentro.

Por agora, porque é domingo, vou aproveitar a onda de generosidade com que realizadoras deste país foram acometidas e ver os filmes disponibilizados gratuitamente online pela Susana de Sousa Dias, “Natureza Morta” e “48”, e pela Joana Barra Vaz, “Meu Caro Amigo Chico”. Vou alapar-me no sofá e absorver por completo a sensação que emergiu desta celebração: a de que não estamos sozinhos, de que em conjunto nos alimentamos. Vou explorar esta ideia de que os portugueses são afinal uns gajos porreiros emocionantes e emocionais, com os valores no sítio (tirando uma meia dúzia que não interessam nada) e que Portugal inteiro pode muito bem vir ser a “terra da fraternidade” de que o Zeca nos fala desde sempre!

25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais!

*título gentilmente cedido pela minha mana

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