sofia a tratar dos pelos

excorgitações

Sofia

Como todo o meu mundo está farto de ouvir falar em corona vírus e em quarentena, e gosto de ser original, a minha crónica de hoje é sobre o covid e o isolamento social. 

E, contrariamente ao que é meu apanágio, este é um texto de conteúdo político: bem sei que é politicamente correto não tecer críticas ao governo, mas a democracia não está suspensa e há coisas que não posso continuar a silenciar! Se não entendi toda a excitação com o 25 de abril, o piquenique do 1 de maio e menos ainda com a festa do avante, uma coisa precisa ser escrita e por cobardia reacionária os partidos políticos calaram: é aviltante que se condenem as pessoas a prisão domiciliária e não se proíbam os supermercados de vender açucares. Como, se houve coragem para proibir os funerais, tinha sido imperativo um decreto-lei que proibisse os pelos de proliferarem. Bem como, obrigassem as lojas que fornecem produtos para pessoas sós e carentes a fazer saldos de 50% (eu estou a pensar nas livrarias, mas admito que a leitora tenha outros produtos em mente). 

Quando me sentei ao computador ia partilhar a narrativa da minha ida à depilação. Mas depois lembrei-me que estas crónicas agora também são radiofónicas, passam à hora das pessoas decentes e decidi não provocar um ataque cardíaco ao senhor Diretor da rádio. 

Pelo que, falando de pelos [cada vez amo mais o acordo ortográfico], partilho a minha a estória de quando fui cortar o cabelo, naquele dia da saída precária. 

As leitoras da minha geração já perceberam que quando uma quarentena que esteve de quarentona diz que foi cortar o cabelo é um eufemismo para as latas de tinta robbialac que usei para o meu cabelo ter a cor que eu quero que o meu cabelo tenha, mais toda uma parafernália de produtos químicos para retirar do mesmo as porcarias que lá meti durante o confinamento. 

Depois de subornar a cabeleireira e lhe prometer pagar o triplo, conseguiu encaixar-me para as 23 horas de um sábado à noite. Quando cheguei, tirou-me a temperatura (por pudor não digo onde me colocou o termómetro), deu-me uns pezinhos, uma máscara, álcool gel em 25% da superfície do meu corpo e deixou-me entrar. Passei por uma sauna, depois fui pulverizada por desinfetantes agrícolas e um banho turco antes de ela me considerar apta a entrar no salão. Lá dentro, um carpinteiro construiu à minha frente uma cadeira e depois de me sentarem lavaram-me o cabelo com água do Luso, pelo que, pouco antes da 1 da manhã, estava pronta para começar a tratar dos meus pobres cabelos.  

Estou firmemente convicta que a expressão pior interpretada na língua de Camões é “só a pontinha” e, se em regra, ela já me corta mais do que o estado em impostos, com a treta da máscara que faz de toda a gente surda, cortou-me um quilómetro de comprimento. E falhou a cor da tinta. E deixou-me a franja em obras. E umas californianas que parecem suecas. E, como se a tragédia não fosse já homérica, saí de lá sem perceber quem é que traiu quem. Mas feliz. Imensamente feliz. E, porque já estava a nascer o sol, bebi um café fantástico. 

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