Idos de maio
Sónia Calvário
Entre o confinamento e o desconfinamento, a retoma gradual da economia, o, afinal, necessário, e obrigatório, uso de máscaras, o lay off e os seus abusos, a injeção de (mais) muitos milhões no Novo Banco, e a pretensão do mesmo por parte da TAP – sempre sem que se possa questionar a distribuição de dividendos pelos seus acionistas; entre a divulgação de imagens e situações de violência, por cá e pelo mundo, o aumento da pobreza, o desemprego, a precariedade, o medo e o desrespeito pela vida comum, Portugal ficou chocado com os homicídios, primeiro da menina de Peniche e, há dois dias, de uma jovem de Elvas…
A morte da Valentina fez voltar a questionar a forma como são protegidas as nossas crianças. Apontou-se o dedo à CPCJ. Interrogou-se o papel da escola neste domínio. Constatou-se, mais uma vez, que os recursos das instituições, às quais compete detetar, denunciar e acompanhar situações de risco/perigo, são escassos e frágeis. Como funcionam estas entidades? Como é feito o trabalho das CPCJ? Como são compostas estas importantes estruturas? Dependem, essencialmente, dos técnicos que são “cedidos” pelas autarquias e Segurança Social, e, em muitas, são profissionais que acumulam o trabalho – exigente – realizado no âmbito das CPCJ com as outras tarefas, próprias dos serviços a que pertencem. Os meios e recursos materiais, como veículos por exemplo, são também cedidos, dependendo das disponibilidades das entidades cedentes. Existem voluntários, que, enquanto tal, dedicam o tempo possível à causa e ao acompanhamento de processos de proteção de crianças e jovens, articulando-o com a sua atividade profissional. Depois existem os nomeados pelas entidades, para as representarem, e, claro, nem sempre com o perfil adequado e, muitas vezes, com interesses e vocações que pouco ou nada acrescentam para o fim visado pela CPCJ, antes pelo contrário.
E foi assim que passámos mais um mês. Com ou sem pandemia, o nosso comportamento muda pouco: indignamo-nos; desabafamos nas redes sociais e, com sorte, muita gente gosta e concorda; aproveitamos para lançar algumas suspeições, ofender e inflamar o discurso, mesmo que seja agressivo e desrespeitoso, pois afinal “somos humanos” (!); chocamo-nos com notícias, nomeadamente de violência, interrogamo-nos de como vai a segurança e a proteção dos que mais dependem de todos nós, e esquecemos rapidamente, pois é importante acompanhar o que vai surgindo… e o raio do futebol que nunca mais recomeça!