Helena Inverno desenvolve a sua expressão criativa entre a arte vídeo e o cinema.
A artista e cineasta bejense foi premiada em Realização Cinematográfica, Vídeo Arte, Montagem Cinematográfica, Música e Desenho. As suas obras podem ser vistas internacionalmente em festivais de cinema, galerias e museus de arte. Os seus documentários de longa e média duração são transmitidos na RTP e FILMIN. Os seus vídeos arte estão publicados pela Universidade do Québec, Direção Geral das Artes de Portugal e Farol Música.
A sua formação multidisciplinar e percurso artístico passam por Lisboa, Zurique, Londres, Rio de Janeiro, Tóquio e Marraquexe.
Inverno valoriza substancialmente processos criativos com outros artistas, cientistas e pensadores que se cruzam no cinema e nas artes do espectáculo. Neste contexto, destaca a sua parceria com a cineasta Verónica Castro com quem explora as relações entre arte e antropologia. Destaca também as colaborações com os coreógrafos performers Ana Borralho e João Galante, Bouchra Ouizguen e Vera Mantero. E, na área do teatro Alfredo Martins do Teatro Meia Volta e o The Blitz Theatre Group.
Desde 2010 colabora artisticamente em torno de questões patrimoniais, etnográficas e ecológicas com entidades maioritariamente alentejanas e algarvias empenhadas no desenvolvimento local através da arte e da educação.
Enquanto comissária e criadora da imagem do Festival Giacometti, Inverno acolhe a complexidade social e cultural vivida no Alentejo, redimensiona a sua própria prática criativa e aprofunda o questionamento artístico, filosófico e humano numa partilha cada vez mais alargada.
Depois da colaboração n´”a primeira segunda do mês“, Helena Inverno é, este mês, a Senhora que se segue no Expoente M.
Tem a vida que idealizava?
Sim, no sentido em que qualquer idealização é apenas instrumental, ao serviço de uma relação o mais directa com a realidade. Se tenho um ideal de vida é esse, viver o momento presente com responsabilidade, sinceridade e humildade.
A intervenção/participação na sociedade deve ser uma preocupação de todos?
Intervir/participar na sociedade é um direito e um dever mas tal pode não ser possível, nem todas as pessoas reúnem as condições sócio-económicas para o fazerem, podem estar demasiado inundadas a procurarem os meios para comer, outras podem estar doentes na sua condição física ou mental, outras ainda podem estar politicamente reféns de leis ou sistemas sócio-culturais que as condicionam, manipulam ou obrigam à não expressão/intervenção/participação.
No seu caso como a pratica?
Mantenho vigilância diária em várias frentes sobre o meu impacto ambiental no sentido de o reduzir, cultivo ou apoio quem cultiva a sua própria comida ou a produz ou a distribui dentro da escala local, contribuo sistematicamente para manter a criatividade activa no espaço doméstico e social, anualmente durante dezenas de dias ausento-me da sociedade, faço votos de silêncio e largo todo o tipo de consumos excluindo uma par de refeições frugais. Posso chegar naturalmente a estados de intervenção/participação radicais, desconhecidos ou incompreendidos. No âmbito profissional preciso investir em trabalhos para benefício social e sinto muita alegria em articular-me com o que diz respeito à educação.
Como vê a conciliação, atualmente, da vida profissional e familiar/social?
A minha actividade profissional, enquanto cineasta, artista e recentemente agente cultural, está em plena fusão com a minha vida. Trago para dentro de casa colegas de trabalho e muita gente abre as suas casas para eu entrar com o meu trabalho. A minha família e os meus amigos de longa data gostam de se envolver no meu trabalho e a ajuda deles muitas vezes é imprescindível. Sinto o privilégio de encontrar pessoas maravilhosas no contexto laboral, muitas acabam por se tornar muito próximas e outras, de alguma forma, tornam-se família. O meu sentido profissional leva-me a acreditar que saber socializar, falar vários idiomas, ter comunicações interpessoais claras e cultivar a expansão da criatividade são alguns dos requisitos necessários no meu trabalho, mas também sinto que independentemente de qualquer profissão que eu pudesse ter escolhido ou que me tivesse escolhido, são necessidades constantes na minha vida pessoal.
Já sentiu que a sua afirmação profissional e/ou pessoal foi dificultada ou condicionada por ser mulher?
É difícil para certas pessoas perceberem que uma mulher pode ser tecnicamente mais apta. Ao longo dos anos notei também que era difícil para alguns aceitarem que uma mulher pode exercer uma objectividade exemplar diante de tomada de decisões em situação complexa. Existe uma tendência para a ilusão de que uma mulher pede condescendência. Existe também uma tendência para a incapacidade ou ignorância no como colocar-se no lugar do outro que é mulher. Enquanto cineasta posso facilmente fazer algumas perguntas. Os filmes com orçamentos maiores, regra geral, são os da ficção, e, salvo excepção, nunca são assinados por mulheres. Será uma questão estritamente ligada aos números ou a situação é mais alargada e densa se entrarmos no contexto da política de representação? A nossa sociedade tem pago de forma massiva para ver as fantasias, as visões, a moral, as propostas políticas, teológicas, sociais e artísticas do homem heteronormativo ocidental. Só recentemente parece estar a haver um interesse por outros olhares e representações, basta varrer o menu da Netflix para percebermos isso. Mas o fenómeno de mudança ainda não chegou ao Instituto do Cinema e Audiovisual português. Encontramos mais filmes de homens não-heteronormativos do que de mulheres.
As mulheres partilham pouco, guardam muito para si?
O contexto cultural de uma mulher define muito a possibilidade de uma mulher partilhar ou guardar para si. Acho que em Portugal guardam muito para si, guardam o fardo gigante que lhes cai em cima de acumularem vários trabalhos, ocupações e funções. Um fardo de silêncio cheio de palavras engolidas em frustração A sociedade portuguesa não lhes reconhece o mérito, a sociedade exige o sacrifício em vez de criar condições de responsabilidade por parte de todos os que ficam descansados com alguém a fazer-lhes a lida da casa, as refeições, a cuidar dos seus filhos. A sociedade não as bonifica, antes pelo contrário as estatísticas indicam que as mulheres ganham menos.
O que é preciso para que as mulheres possam ver garantido o seu direito à igualdade?
Muito trabalho em muitas frentes, sendo a maior de todas a da educação que, obviamente não se circunscreve só ao sistema escolar e que por sua vez acarreta a necessidade de se auto-analisar nos seus processos e métodos, uma vez que está minada por uma produção condicionada de subjectividade gestora de injustiças. Infelizmente, hoje em dia, as mulheres ainda precisam recordar-se constantemente do seu valor para não descaírem na sua assertividade. Nalguns meios laborais, é importante saberem articular o porquê da lei de paridade de género. Noutros meios é importante saber reivindicar pagamentos justos. E, como este assunto não é só de mulheres, é de uma sociedade inteira dominada por um processo histórico cheio de alienação da realidade, os homens precisam saber emancipar-se de várias formas, porque coitados todos os miseráveis que, declaradamente ou secretamente, se orgulham de ser mais do que uma mulher pelo simples facto de serem homens e, assim, negarem o seu verdadeiro potencial enquanto humanos.
Qual é o seu maior sonho?
Gostava de ver todos os seres humanos livres de sofrimento. Como resultado também se acabavam todas as violações aos bens comuns, à água, ao ar e ao solo, que é algo que se tornou urgente debater no Alentejo com a chegada das monoculturas de lógica extractivista. Somos muitos a sentir o cerco, o ecocídio e por sua vez o genocídio cultural. Assim, o meu maior sonho dentro do nosso contexto local é que se inicie a curto prazo uma política agrícola encorajadora e promotora da biodiversidade, aliás como a ONU aconselha; que se inove, que se tenha visão sadia, e que se acabe com o que já está falido, insustentável, obsoleto e doente. É urgente transformar o que está mascarado de inovação, progresso e desenvolvimento económico em verdadeira prosperidade.