O amor à sexta-feira!
Nádia Mira
Expoente M Rádio
O poeta espanhol Juan Vicente Piqueras tem no seu livro “Instruções para Atravessar o Deserto” um poema cujo primeiro verso declara desde logo “Se eu fosse a ti amava-me”. Eu, que oscilo entre uma profunda insegurança e a petulante sensação de que até sou bastante amável, não podia deixar de me deliciar com a imodéstia do poeta. Se Piqueras não teme colocar-se no lugar da amada para lhe dizer como deveria esta proceder no que ao amor respeita, também Iggy Pop não se coíbe de demonstrar abertamente as suas fátuas pretensões.
“Fall in love with me” é uma canção de Iggy Pop que integra o álbum “Lust for Life”, o segundo álbum a solo do cantor e compositor, lançado em agosto de 1977 pela RCA. Produzido com colaboração de David Bowie, obteve um massivo sucesso entre a crítica e é até hoje o seu disco mais popular, isto apesar de ter sido escrito, gravado e mixado em apenas oito dias.
Iggy Pop, o Iguana, dispensa apresentações. Nu, cru, simples, visceral e avassalador, é uma das figuras mais carismáticas do larguíssimo espectro do universo rock. Soube acompanhar a transformação do rock’n’roll para um formato de rock mais extravagante e libidinoso e, inspirado por Morrison ou Jagger, desenvolveu a sua própria personalidade, única, tanto em palco como em disco.
“Fall in love with me” é a música que encerra o disco “Lust for Life” e nasce de uma jam session durante a gravação do mesmo. Não sendo a mais fascinante música de Iggy Pop, o seu groove acolheador e a facilidade com que soa a rock tornam-na inquestionavelmente cativante. No tema, Iggy parece dirigir-se à mesma miúda de “China Girl”, “Baby”, “Sixteen” ou “Tiny Girls”, sempre a mesma miúda – jovem e pura, porém já destruída, o que aparentemente a torna mais apelativa aos seus olhos.
Ainda que não exista em mim particular inclinação por nenhuma das qualidades que parecem cativar Iggy, elejo aliás em tudo o seu contrário, tenho uma infausta inclinação pelo amor. E quem não deseja ser amado à sexta-feira?
Expoente M 