Ana Faísco||Expoente M Rádio
Ana Faísco é natural de Beja, onde vive, e tem 44 anos. Licenciou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, em 2000, trabalhando, desde então, em áreas relacionadas com a gestão urbanística e o ordenamento do território, nas câmaras municipais de Serpa, Beja, Vila Verde e Odemira. Desde 2016 que integra a Divisão de Cultura e Património na CMS e colabora na rede museológica e na reabilitação urbana do centro histórico.
Apaixonada pelo chão colorido que desde sempre viu nas casas do Alentejo, e perante a dificuldade experienciada para arranjar mosaicos hidráulicos para a própria casa, sentiu o apelo e lançou-se numa aventura rumo à libertação artística e criativa. E no final de 2013 nasceu a marca Mosaicos d’Alcaria, impulsionada pelo concurso de empreendedorismo da Associação Acredita Portugal, que, de entre mais de 14.000 projetos, premiou a ideia como uma das 150 semifinalistas. O Atelier tem sede na casa dos avós maternos, também eles, em tempos, comerciantes com “venda” e “loja” (taberna e mercearia), em Alcaria da Serra, linda aldeia do concelho da Vidigueira. Para além de comercializar o mosaico como material de revestimento de chão e paredes, o Atelier tem vindo a afirmar-se na área decorativa, integrando os mosaicos em peças utilitárias para a casa (quadros, descanso de tachos, tábuas de queijo, mesas, cabides), em ofertas gravadas de forma artesanal com fotografias e grafismos que se misturam nos padrões coloridos e surpreendem quem os recebe, bem como em painéis de maiores dimensões criados a partir de simulações de cores e padrões personalizados. Também ao nível da arte urbana, destaca-se a rotunda na baía do Seixal para a qual a artista concebeu um conjunto escultórico de 5 metros de altura, conciliando mosaicos hidráulicos, gravações e estrutura em ferro.
Ao longo do percurso artístico, tem sido frequentemente convidada para a monitorização de oficinas, participar em exposições, feiras e eventos sob os temas da reabilitação de património, artesanato contemporâneo ou empreendedorismo.
Ana Faísco, que na triangulação Serpa, Beja e Alcaria da Serra, reuniu a família, o amor e a realização profissional, é a Senhora que se segue no Expoente M.
Tem a vida que idealizava?
Na verdade, para o bem e para o mal, nunca pensei muito para onde caminhava… deixei a vida acontecer. Por vezes não terá corrido tão bem, mas confiei no meu instinto e também sinto que fui guiada pela sorte. Durante vários anos fui atrás do que me parecia preencher, gostei de viver em sítios diferentes, conhecer outras realidades e de certo modo acho que gostava de me reinventar, de tempos a tempos! Depois apareceram os filhos e senti necessidade de me fixar… e aí a minha cidade e a minha família falaram mais alto. Também ajudou ter (re)encontrado aqui o Paulo*, o meu companheiro para a vida! Juntos crescemos no Amor e na Arte, temos uma vida tranquila mas bastante preenchida com os nossos projetos pessoais e profissionais. Por isso, sim, gosto de pensar que tenho a vida sonhada, ainda que não idealizada de forma consciente…
A intervenção/participação na sociedade deve ser uma preocupação de todos?
Compreendo a pergunta mas a expressão “preocupação” incomoda-me um pouco… esta interação com o mundo e com os outros deve ser uma vontade, e como tal ser natural e cheia de intenção. Em certas fases das nossas vidas apetece estar mais sós, menos participativos e não vejo que isso seja uma coisa má. Há depois outros momentos em que se nos colocam desafios e aí é a sociedade a espicaçar-nos para não deixarmos a preguiça vencer… nessa altura há que encarar e intervir para acrescentar algo bom à existência de todos!
No seu caso como a pratica?
Trabalho numa câmara municipal de Serpa e também criei o Atelier de mosaico hidráulico. Colocar-me ao serviço público foi uma opção consciente, sempre me interessei mais pela arquitetura vernacular do que a monumental, perceber como as pessoas viviam nas suas casas, que necessidades tinham e como encontrar as soluções… também o desafio de intervir em espaço público e contribuir para o bem-estar de uma população foram apelos decisivos. Com o Atelier tenho vivido experiências fantásticas, relembrando à sociedade os mosaicos hidráulicos quase desaparecidos das nossas casas. Rapidamente me apercebi, nas feiras e exposições, que as pessoas tinham uma ligação afetiva a estes quadrados de cimento colorido 20x20cm das casas do sul, sejam as memórias da casa dos avós ou a casa na aldeia onde cresceram. A par da simulação de padrões e cores em pavimentos, a criação de obras de arte urbana (painéis e objetos escultóricos) e gravações artesanais em mosaicos para ofertas, foi uma evolução natural e permitiu-me interagir muito mais com as pessoas e os espaços públicos. Começaram a surgir convites para exposições e entrevistas, o que permitiu promover ainda mais a tradição e o design português… com os mosaicos embarquei numa aventura que considero um singelo contributo para o fortalecimento da nossa identidade cultural.
Como vê a conciliação, atualmente, da vida profissional e familiar/social?
Atualmente… vejo uma grande dificuldade! Embora esta minha perceção esteja toldada por um acontecimento mágico que tem tanto de maravilhoso como de cansativo… fui mãe há 5 meses e com outro rapaz de 9 anos cada dia é uma luta constante com o tempo. O pai tem sido um grande companheiro mas ainda assim o papel de mãe deixa-nos assoberbadas, são precisas muitas adaptações e cedências e isso por vezes é doloroso. Mas lá vem um sorriso e uma mãozinha papuda na cara, e tudo volta a fazer sentido!
Na sua vida existe equilíbrio entre a vida profissional e familiar/social?
De momento não! Mas sendo mãe de 2ª viagem sei que a vida vai, aos poucos, retomar o seu curso natural… é muito importante ter uma vida familiar saudável e saber integrar momentos de recreação, sejam eles sociais ou mais intimistas, nos compromissos profissionais e do dia-a-dia. Há uma espécie de adrenalina que transforma os afazeres em energia positiva, a cada conquista feita, seja ela profissional, familiar ou social. E é este “comboio” que temos de apanhar, é uma viagem que quando é feita com a companhia certa nos preenche a cada paragem.
Já sentiu que a sua afirmação profissional e/ou pessoal foi dificultada ou condicionada por ser mulher?
Levei algum tempo a pensar nesta resposta, o que por si só é um sinal que o facto de ser mulher não tem marcado o meu percurso. Sinto que a sociedade e os meus pares me têm acarinhado nas diversas situações profissionais ao longo da vida. Acredito que o mérito advém da genuinidade e brio que se coloca nos desafios que nos surgem, têm sido esses princípios que naturalmente me têm guiado e garantido relações constantes de confiança profissional com os superiores (em câmara municipais) ou com os clientes e amigos do Atelier Mosaicos d’Alcaria. No entanto, lembro uma fase que não só por ser mulher mas também uma mulher jovem me criou dificuldades… aos 29 anos fui trabalhar para uma autarquia no norte de Portugal e fiquei responsável por implementar o sistema de gestão de qualidade no licenciamento de obras. Ou seja, era preciso mudar a forma de fazer de uma equipa com hábitos instalados, alterar procedimentos, criar instruções de trabalho, monitorizar a execução de tarefas, enfim uma série de mudanças complicadas. Foi um contexto geográfico e profissional em que me senti fragilizada relativamente ao homem, percebi que não me reconheciam o mesmo valor profissional só pelo facto de ser mulher. Claro que isso só me deu mais incentivo, de qualquer forma é injusto termos de trabalhar mais e melhor para que nos seja dado o mesmo valor.
As mulheres partilham pouco, guardam muito para si?
Nunca pensei muito nesta questão em termos de género… penso que terá mais a ver com a personalidade de cada um ou cada uma. Conheço mulheres que têm uma excelente capacidade de trabalho em equipa e necessariamente, partilham ideias e dificuldades, e outras (como eu!) que guardam mais do que deveriam. Mas também lido com homens com os mesmos comportamentos.
O que é preciso para que as mulheres possam ver garantido o seu direito à igualdade?
O que me ocorre falar é em termos de remunerações no mundo profissional particular. Outras questões sociológicas existem, em sociedades hierarquizadas onde a mulher está numa posição claramente desfavorecida em relação ao homem, mas aí as soluções passarão por mudanças estruturais complexas nas quais tenho dificuldade em apontar caminhos. Quanto às remunerações, e à semelhança do que acontece na função pública, não deveria haver descriminação de género, o(a) trabalhador(a) é contratado(a) para executar determinada tarefa e o mesmo trabalho deverá resultar na mesma compensação monetária.
Como podem as mulheres contribuir para a concretização dessa Igualdade?
Pois… é difícil responder à pergunta sem correr o risco de dizer coisas banais e que com certeza muitas mulheres já o estão a fazer. Por exemplo, quando se verifiquem tais assimetrias numa empresa, é importante que as mulheres se unam nesta causa comum e de alguma forma pressionem os responsáveis, através de ações concertadas que exijam o direito à igualdade e que denunciem essa realidade. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Qual é o seu maior sonho?
Há 6 meses, com certeza, a resposta seria diferente. Em tempos de pandemia, o meu maior sonho será o maior sonho de muitos de nós… Saúde e voltar a uma vida repleta de afetos, passeios, convívio! Mas cada vez mais penso e desejo com toda a minha alma que os meus filhos (e os filhos dos filhos…) não tenham de passar por situações de calamidade neste mundo que agora nos mostrou que os vírus, tais como as alterações climáticas, não são ficção científica. Haja ciência e políticas concretas que nos ajudem a remediar as maldades que fizemos ao planeta e a alterar o curso desta coexistência. Vamos acreditar J
*Paulo Ribeiro, cantor e compositor bejense, ligado a projetos como Anonimato, Eroscópio, Baile Popular, Mosto ou Tais Quais, e com forte relação ao Cante.
Ana Faisco no blog AQUI