excorgitações
Sofia
Minha querida leitora e ouvinte, finalmente pode acalmar a sua ansiedade. Sei de ciência incerta que estas últimas semanas têm sido angustiantes, de incerteza, temor e aflição, flagelada com uma questão recorrente que lhe ocupa os dias e lhe rouba o sono: o que é que a sofia tem feito neste confinamento interrompido, de algumas horas de vez em quando?
Eu respondo-lhe. Basicamente fiz aquilo em que sou especialista: a arte de não fazer nada. Esta arte, porque é de uma arte que se trata, tem inspiração filosófica na modernidade tardia italiana expressa pelos filósofos da Escola no dolce faire niente, que mais não é do que uma locução erudita italiana para expressar o modo alentejano de estar na vida.
Confesso que, cansada de nada fazer e porque não sou menos do que as outras, fiz o que as pessoas normais fazem a meio de novembro! No primeiro fim-de-semana de prisão domiciliária adornei a árvore de natal e enchi a sala de luzinhas e velas, depois de ligar duas horas o ar condicionado na temperatura mínima, porque sou miúda de princípios e recuso-me a montar a árvore em plena primavera.
Ontem, dediquei o dia a escrever a carta ao Pai Natal, e só então percebi o quanto a vida mudou num ano. Com efeito, nunca fez tanto sentido como agora receber um pijaminha (que nem precisa de ser sexy!) e ninguém vai voltar a gozar com as meias que a avó oferece, porque, tal como em outras realidades da vida, quanto mais grossas e fiáveis melhor. Pedi ainda um ou dois saca-rolhas, copos altos, uma faca para dissecar queijos, um móvel para fazer de garrafeira, três pares de chinelos e uma trela (não que procure marido, mas porque pondero adquirir uma cadela e obter o direito a saídas precárias), enquanto ouvia a canção de natal da mariazinha carey. Porque não gosto de deixar tudo para a última hora, já vi três vezes o sozinho em casa, duas vezes o amor não tira férias e uma obscenidade de vezes o amor acontece.
Quando escrevo estas linhas, atormenta-me um dilema interior: decidi enveredar pelo mundo da política, mas, debato-me sobre o caminho que devo seguir. As más línguas vão dizer que estou a ser interesseira e que vou conspurcar a pureza partidária, mas este fim-de-semana quero ir a um evento político: apenas me debato se devo ir ao congresso do PCP ou à Convenção do Chega. Não porque ideologicamente parecem cada vez mais siameses, o que me parece um exagero: são partidos de matrizes totalmente diferentes. Basta pensar que a roupa que posso levar a uma iniciativa de um destes partidos eram absolutamente inadequada para ir a um evento organizado pelo outro. Pelo que, deixarei o destino decidir por mim: se a minha cabeleireira tiver uma vaga vou à convenção; se não tiver, coloco uma boina linda que comprei nos saldos na minha cabeça despenteado e vou gritar como se não houvesse amanhã… algo cada vez mais improvável…