De Lisboa a Saigão

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A Louca da Casa

Carmo Miranda Machado

O meu último livro, Solidão D´ Amor e Ópio – De Lisboa a Saigão, Colibri, foi escrito de rajada entre várias viagens intercontinentais. Deixo-vos, hoje, um pequeno excerto deste livro cujas personagens entraram em mim como se fossem família. Ofereço-vos estes excertos do livro como forma de vos aguçar a curiosidade.

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          O ópio é um relógio sem ponteiros. Os cachimbos de Saigão são o melhor ópio do mundo. Conto com os seus caminhos tortuosos para viver. Estou completamente só. Como sempre estive. Passo as noites acordado e os dias adormecido. Há uma força inconfundível nesta droga.

          O ópio alcatifa-me os dias. Suaves e aveludados, vão-me encurralado neste parque de emoções. Fumar ópio é sempre pouco e é demais. (…)

           Aprendi a custo que nada se pode deixar ao acaso no muro dos equilíbrios. Verdade que há poucos sonhos brancos e finais felizes (…).O ópio leva-me a um lugar sagrado onde me descubro por dentro com serenidade e lentidão. Agarro a possibilidade da luz. Transformo tudo o que ainda posso. Dou o último grito. E salto para o outro lado. Tarde demais. Hesito ainda… E bastou esse segundo de hesitação para aquele quarto me arrebatar para sempre. (…) Envolto neste véu de nevoeiro. Eu já não fumo ópio, o ópio fuma-me a mim.

            Já não chegam notícias dos dias em que partiam todos, novos e velhos, homens e mulheres, deixando Saigão abandonada ao vento. Não. A guerra do Vietname terminou. E eu já não sou correspondente de guerra. Pelo menos dentro de mim, não há bombardeiros B-52 a sobrevoara cidade. Nem continuam a cair bombas do céu. Deixei de ser um rato dos túneis de Cu Chi. Agora já consigo adormecer. Devo a Saigão a minha cura. Devo a Saigão a minha paz.

Resta apenas uma vertiginosa nostalgia a devorar-me.

            Um escorregar sem remorsos.

            Uma serenidade.

            Um pequeno retraimento.

           Um aroma familiar.

            Uma força.

            Um ligeiro estremecimento.

            Um biombo de fumo protege-me da cidade.

            E nada mais.

            A noite arrefeceu levemente o lume enquanto a humidade crescia. Não há vento. Nunca há vento em Saigão. Lá fora, apenas uma brisa sussurra, indefinível.

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