idos de janeiro
Sónia Calvário
Sónia Calvário||Expoente M Rádio
O mês de fevereiro iniciou com notícias diárias de novos casos de “vacinação indevida” contra a Covid 19. A indignação tomou conta das redes sociais e a comunicação social veiculou as opiniões dos do costume: comentadores residentes, uns políticos no ativo, outros nem tanto.
Parece-nos que se trata, na maioria, de matéria relacionada mais com a ética, ou a falta dela, do que propriamente com questões de ilegalidade. Senão vejamos,
É em 3 de dezembro último que surge o tão falado Plano de Vacinação, elaborado pela task force, que, “atendendo ao acesso limitado e faseado, pelo menos numa primeira etapa, às vacinas”, estabelece os grupos prioritários, norteados, entre outros, por princípios científicos e éticos. No que respeita à Fase 1, a atual, começa por falar nos “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes”, depois nos “profissionais e residentes nos lares e estruturas similares” e, por fim, no grupo etário com maior representatividades de internamento em UCI e risco de morte. A informação é sintetizada num quadro, com três colunas que, lendo-se da esquerda para a direita, indicam como prioritários: 1) profissionais residentes em lares e similares, profissionais e internados em unidade de cuidados continuados; 2) pessoas com 50 anos ou mais com pelo menos uma das patologias identificadas (insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal e doenças do foro respiratório); 3) profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes, e profissionais das forças armadas, de segurança e de serviços críticos.
Do confronto entre o quadro e o texto que o antecede constata-se que as situações não estão ordenadas da mesma forma, pelo que, e de acordo com o que se veio a verificar, amplamente divulgado pela comunicação social, os mais prioritários do grupo prioritário seriam os “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados de saúde” e que, portanto, o que deveria ser observado é a ordem mencionada no texto e não no quadro. Quanto a este diga-se que, além de não traduzir o texto, não obedece a qualquer ordem lógica, como por exemplo alfabética, o que poderia explicar a discrepância.
A vacinação iniciou no dia 27 de dezembro. Com os profissionais de primeira linha e, quase em simultâneo, os ERPI.
É apenas no dia 30 de janeiro que a DGS emana a Norma 2/2021, visando “definir os procedimentos a observar para a implementação da primeira fase do Plano de Vacinação”. Utiliza, para elencar os grupos prioritários, um quadro vertical, indicando a seguinte ordem: profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes, depois os profissionais, residentes e utentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas e similares, de seguida as pessoas com 50 anos ou mais, com uma das patologias ordenadas conforme consta do plano e as pessoas com mais de 80 anos. Por último, surgem os profissionais das forças armadas, de segurança, de serviços críticos e titulares de órgãos de soberania e altas entidades públicas (introduzidas na sequência do Despacho 1090-D/2021, de 26-01).
Refere-se na Norma que “enquanto a disponibilidade das vacinas for limitada, designadamente na fase 1, a vacinação é priorizada para quem mais dele beneficia” e a administração organiza‑se “de forma a evitar o desperdício”, o que se fará através da administração “de qualquer pessoa elegível, devendo, na medida do possível, respeitar a ordem de prioridades definidas nos termos da presente norma”, pelo que, e destaca, “a vacinação deve prosseguir, mesmo que não estejam vacinadas todas as pessoas identificadas como mais prioritárias na Fase 1”. Prossegue-se depois com priorização especial e sequencial, dentro de cada um dos grupos prioritários. No caso dos grupos etários, hierarquiza as patologias. Define que caberá às entidades de saúde mapear e validar as pessoas elegíveis, bem como agendar e convocar para a vacinação, “tendo em conta as vacinas disponíveis e a sua calendarização de entrega”.
Entretanto, a denúncia de casos de vacinação, se não indevida, pelo menos abusiva continuou. Pelo que, em 9 de fevereiro, a DGS atualiza a Norma, com ligeiras alterações no quadro que indica os grupos prioritários, e introduz um campo intitulado “doses sobrantes”, mantendo as especificações previstas logo a 30 de janeiro, para os ERPI e similares, e esclarecendo, quanto às demais situações, que “as doses de vacinas sobrantes em cada sessão de vacinação devem ser utilizadas através da vacinação de qualquer pessoa elegível dentro da fase em curso, devendo respeitar-se a ordem de prioridades definida nos termos da presente Norma, através de uma definição de uma lista obrigatória, de pessoas a convocar em caso de vacinas sobrantes”, acrescentando que: “não sendo possível evitar o desperdício (…) deve prosseguir através da vacinação de pessoas incluídas noutra fase do plano de vacinação, desde que pertencentes aos grupos prioritários e em respeito pelos subgrupos de prioridades”.
O Plano da task force, a Norma da DGS e a sua atualização não primam pela clareza. Contudo, a cronologia apresentada na página da DGS, indicando a hierarquização e apontando, para fevereiro, o início da vacinação dos grupos prioritários em razão da idade, bem como as diversas declarações públicas a este respeito, por parte de vários responsáveis políticos, veio fortalecer as suspeitas de que houve pessoas vacinadas indevidamente.
Têm sido noticiados atropelos aos processos de vacinação contra a Covid 19 um pouco por todo o mundo, nalguns casos com consequências imediatas, nomeadamente através da demissão dos prevaricadores. Em Portugal, suspeita-se de muitos casos de vacinação ilegal. Houve, até ao momento, duas demissões. Porém, ainda que não sejam contrárias à lei, a falta de ética, na maioria das situações que se tornaram públicas, oferece poucas dúvidas.