Maria João Luís nasceu a 30 de dezembro de 1964, em Vila Franca de Xira. É atriz, encenadora e criadora. Fundou, em 2009, com o marido, Pedro Domingos, técnico de som e de luz, a conceituada Companhia “Teatro da Terra”, sediada em Ponte de Sor, para onde o casal se mudou, um ano antes, com os seus três filhos, todos rapazes. “Descentralizar ao contrário”, com estreias nesta pequena cidade alentejana e itinerância pelo país fora, foi o objetivo. Uma aposta que contribuiu, sem dúvida, para a valorização do interior.
Começou a representar n´A Barraca, em 1985, passou pelo mítico Teatro da Cornucópia e, entre outros, pel´A Comuna. Gosta muito de fazer televisão, embora, neste momento, sinta a necessidade de se retirar, pelo menos durante um ano, um ano e meio; fez dobragens de filmes e cinema, mas é o teatro, o palco, que a preenche verdadeiramente. Em miúda queria ser arquiteta e, talvez por isso, a construção de objetos e a arquitetura de cenários seja algo a que também goste de se dedicar. Exemplo disso é a Abetarda, uma coprodução entre o Teatro da Terra e o Município de Castro Verde, com textos de João Monge, que aliou o teatro de rua ao Cante, envolvendo mais 80 participantes, e que encheu as ruas desta vila alentejana e também a cidade de Beja, em setembro e outubro de 2014, respetivamente. A peça, encenada e protagonizada por Maria João Luís, foi também apresentada no Seixal e na Festa do Avante.
Casada há 30 anos, diz que “o dia em que se apaixonou foi o dia mais feliz e o mais triste da sua vida. Sabia que era com ele que iria ficar e que, por isso, terminava ali aquela coisa de que gostava tanto, o flirt”. Foi uma jovem rebelde, freak, chegando a rapar o cabelo, “fugiu”, ainda não tinha 18 anos, para a Alemanha, onde viveu numa comunidade punk. Percorreu a Europa, fazia performances na rua e proclamava poesia.
Maria João Luís, simpática e jovial, mulher e atriz de causas, que utiliza a expressão artística e a criação para intervir, ativa e politicamente, é a Senhora que segue no Expoente M.
Tem a vida que idealizava?
A vida é difícil, não é linear. Quando somos jovens temos uma ideia e uma prespetiva da vida, trabalhamos para isso, vamos organizando a nossa vida nesse sentido. Poder estar em paz, em harmonia com tudo e com todos, era a vida que idealizava. Mas vida não é isso: tem as suas coisas fantásticas, maravilhosas, extraordinárias, que é preciso aproveitar e mimar; e tem os seus momentos menos bons, com os problemas que se vão atravessando, a saúde dos nossos familiares, os problemas da luta pela sobrevivência, que são normais e que fazem parte da vida de qualquer pessoa.
A intervenção na sociedade deve ser uma preocupação de todos? No seu caso como a pratica?
A intervenção na sociedade e a luta pelas condições e por políticas que sirvam os cidadãos é uma luta que deve ser sempre de todos. É uma coisa que, cada vez mais, tende a desaparecer e vemos o resultado disso: com uma extrema-direita a avançar, de forma assustadora, a aproveitar-se imenso dessa falta de consciência política, que vai havendo, que vai acontecendo; basta haver um momento de fôlego, as pessoas aliviarem a atenção, para surgirem logo estes focos…é preciso estar sempre muito atento.
Sou uma pessoa de esquerda, sempre fui. A forma de intervenção é através da minha expressão artística. Quando há manifestações também faço por estar e acompanho algumas lutas políticas, nomeadamente as lutas que estão relacionadas com o partido comunista português, no qual estou filiada, mas não tenho o talento para a política, o meu é a expressão artística e é aqui que me entrego e acabo, também, por intervir politicamente.
Como vê a conciliação, atualmente, da vida profissional e familiar/social? Na sua vida existe esse equilíbrio?
O equilíbrio foi sempre um pouco difícil de conseguir. Para ter alguma “estabilidade”, enfim algo que, hoje em dia, ainda mais na fase que atravessamos, é uma coisa muito vaga, percebi, cedo, que, enquanto ia ganhando o meu dinheiro com os trabalhos para os quais ia sendo convidada, pelas televisões, era preciso criar um projeto paralelo, uma maneira de garantir a minha vida e a dos meus filhos, a família. Passou pela criação de uma Companhia de Teatro. E foi uma escolha feliz que fiz para a minha vida; poderia ter sido outra coisa, poderia ter feito outra coisa na vida onde se calhar também me sairia bem. Gosto muito do palco, gosto muito de estar em cena, gosto muito de representar no palco, é uma coisa que me dá um prazer enorme, e é talvez o sítio onde melhor me expresso, enquanto atriz. E depois há a questão da arquitetura do espaço, a arquitetura de cena, que tem muito a ver com a construção do trabalho do ator. E este lado da encenação e da criação de projetos também tem muito a ver com uma vontade, que sempre tive, de criar objetos… sem muito talento para as artes plásticas, mas jeitosinha, digamos, de mãos (risos). Dá-me graus de prazer e de felicidade, sim porque a felicidade plena só existe por momentos, e se assim não fosse era uma grande chatice, pois a vida tem que ter mais cores (risos).
Acabei por conseguir manter uma relação familiar e uma relação no trabalho; mesmo que trabalhasse ate à 1 ou 2 da manhã, todas as noites ia dar um beijinho aos meus filhos. É evidente que passei muito tempo fora… Mas acho que, neste momento, quase todas as profissões sofrem disso: tanta gente que tem de fazer horas extraordinárias … Tanta gente. Homens e mulheres que têm de prescindir, muitas vezes, da sua vida familiar, têm que tomar essa difícil opção, para poderem garantir a estabilidade dos filhos. Não é só na profissão de ator…
Já sentiu que a sua afirmação profissional e/ou pessoal foi dificultada ou condicionada por ser mulher?
Nunca senti. Talvez por ser muito afirmativa e muito focada. O meu foco estava sempre naquilo que era o meu trabalho; e isso era sempre muito claro. Senti-me sempre muito respeitada pelos meus pares, e pelas chefias, realizadores, produtores, chefes de estação, de canais… fui sempre bem tratada, enquanto mulher e enquanto profissional. Mesmo na minha remuneração também não senti, nunca o senti. Não posso ser injusta quanto a isto. No meu caso. Não quer dizer que não tenha sabido de outros casos onde as coisas já não seriam tanto assim, mas, é transversal na nossa sociedade: as mulheres não terem um salário igual. Na profissão de ator curiosamente não me parece que seja tanto assim, sobretudo a questão do salário. Mas também deve haver muita coisa que as mulheres não dizem, muita coisa que as mulheres calam e não falam. Se, por exemplo, a questão do assédio sexual acontece deve haver muitas mulheres que não dizem que aconteceu. Por vergonha, o que é horrível! Mas, tenho esperança que, com as novas gerações, isto se vá modificando e que vá desaparecendo… embora os números não nos indiquem isto, antes pelo contrário, as novas gerações estão a voltar atrás nessas coisas, há mais violência no namoro… é assustador!
O que é preciso para que as mulheres possam ver garantido o seu direito à igualdade? Como podem as mulheres contribuir para essa concretização?
Denunciar! A palavra-chave é a denúncia. Denunciar as situações, porque há leis que não permitem determinadas coisas. Aquilo que não está adquirido ainda politicamente tem de ser adquirido, e para ser adquirido é preciso ir para a rua, é preciso fazer as manifestações, é preciso ir denunciando essas coisas publicamente, não vejo outra forma.
Qual é o seu maior sonho?
O meu maior sonho… não tenho assim um maior sonho. Quando temos filhos, o nosso maior sonho é que eles estejam bem, que fiquem bem, que tenham uma vida boa, a melhor possível, que sejam boas pessoas. Esse é talvez o meu maior sonho. Tenho três filhos fantásticos e desejo que continuem assim, que sejam felizes… o mais possível e que vivam num mundo melhor… Que a pandemia nos largue, que desapareça, que a vacina seja realmente eficaz e que consiga resolver este vírus; que não venham para ai outros.