A Casa do Vale

unnamed 12mar

A Louca da Casa

Carmo Miranda Machado

            A casa onde passámos a nossa infância transporta-nos sempre aos tempos em que tudo era possível. Mesmo que os pais morram, as paredes envelheçam e que a cal se esfume nos dias, restam as memórias dos tempos idos, o calor da lareira que nos aqueceu, o sol tórrido a bater nas pedras do quintal… Por isso, nada é pior do que ver acumular o pó nos móveis abandonados e sentir as ervas a ocupar o local onde antes houve plantas verdes regadas com amor. Ver ruir uma casa desabitada é irmos povoando a nossa alma de fantasmas. Por isso mesmo, fortemente armadilhada com a coragem dos recomeços, nos últimos anos fiz renascer a Casa do Vale e gostava de vo-la apresentar.

            A ela chega-se por uma estrada estreita e serpenteada que, ao longo de dezassete quilómetros, nos leva de Serpa até à pequena e branca aldeia de Vale de Vargo, aldeia rural com apenas 968 habitantes- hoje, muitos menos – e situada nas margens da ribeira do Enxoé, um afluente do Guadiana. Encontram-se em Vale de Vargo vários vestígios romanos e na Igreja paroquial, cuja configuração atual remonta ao século XVI, foram encontradas marcas visigóticas como ficou comprovado arqueologicamente através da descoberta de uma antiga pedra que durante séculos esteve ignorada por servir de degrau de acesso à igreja. Esta, na sua imponente simplicidade, saúda-nos mal entramos no Largo. E das suas escadarias avista-se uma pequena catedral, caiada de branco, estrategicamente situada em frente. O Largo é, sabemo-lo, o centro do mundo na aldeia. E no centro do Largo, está a Casa do Vale.

            O muro branco com uma barra amarela protege o humilde jardim onde impera a paz dos muitos louva-a-deus. Há um limoeiro que cresce devagar, regado com a água da chuva e a esperança dos otimistas. Pequenas sebes começam a formar um muro verde que nos protege do calor que, nos dias longos de calma do Alentejo profundo, nos alivia a alma e onde várias aves aterram para saciar a sede. Junto ao muro amarelo-ocre, há duas cadeiras pretas que fazem companhia a um cadeirão silencioso, todos debruçados sobre uma mesa. Nesta, uma garrafa de vinho de Pias espera-nos, silenciosa. Impaciente, o gato amarelo rodopia pelas nossas pernas à espera que nos sentemos. Há pão caseiro e queijo e azeitonas e mel do apicultor da aldeia sobre a mesa. E há também almofadas de pano-cru, onde nos aconchegamos ouvindo o sino tocar as suas arrastadas badaladas, lembrando-nos de que o tempo no Vale não é um tempo comum mas um tempo que passa sem pressa, na cadência do cante que nos une. E na rede onde nos deitamos quando a noite cai, percebemos que o céu aqui brilha sempre mais

            Quando entramos na casa, podemos – se quisermos – fazer o tempo parar. Entrámos na terra dos sonhos. Na terra da paz. O quarto verde, despretensioso e calmo, é onde adormecemos ao som alegre dos pássaros; no quarto laranja respira-se a boa energia de duas oliveiras felizes que entram pelas janelas curiosas. A lareira, centro da sala azul, aquece-nos por dentro nos dias de frio intenso. Há uma televisão que não grita, apenas fala baixinho, sussurrando palavras demoradas que vai roubar aos livros espalhados por ali.

            Com a primavera a nascer, podemos saborear as tardes de sol ameno num local sem ruído e adormecer com a dolência das gentes do sul. Quando o outono chega e, mais tarde, o inverno cai, adormecer à lareira numa aldeia do interior é uma experiência única.

                A Casa do Vale pode também ser a sua catedral. Contacte-me!

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