carrossel dos esquisitos
Ana Ademar
Ana Ademar||Expoente M Rádio
No dia 3 de Março Sarah Everard voltava para casa às 21h30 quando foi raptada e assassinada.
No passado dia 22 de Fevereiro assinalaram-se 15 anos do brutal assassinato de Gisberta.
No início deste ano, Angelita Correia, uma mulher trans, foi assassinada em Portugal.
Nos últimos seis anos em Portugal morreram 316 mulheres às mãos de companheiros ou ex-companheiros.
No passado dia 8 de Março celebraram-se 46 anos desde a instituição do Dia Internacional dos Direitos da Mulher pelas Nações Unidas.
Posso estar enganada, mas penso que nunca tinha assistido a tantas celebrações da data. Celebrações justas, sérias e honestas: debates, conversas, webinars e ficaram de fora os ramos de flores e os diplomas para “A melhor mulher do mundo”. Talvez tenhamos chegado a um ponto em que não é possível negar mais, em que começamos a tomar consciência de forma mais colectiva que a desigualdade existe e que é importante que se converse sobre isto para lhe pôr fim.
Não estou iludida, não acho que isto se atinja nos próximos anos, talvez nem sequer nas próximas décadas. Mas sinto que estamos a caminhar.
A dificuldade do processo estará no facto de que as alterações a fazer são fundamentalmente culturais, tal como com qualquer outro preconceito (racismo, xenofobia, transfobia). O preconceito está dentro de cada um de nós, guardado, invisível, impresso no nosso ADN. A luta passa por estarmos atentos ao que dizemos, ao que fazemos, ao que pensamos com uma permanente atitude crítica em relação a nós mesmos e ao nosso preconceito. Mas antes, é fundamental aceitar que o preconceito existe e que somos todos cúmplices desta perpetuação da desigualdade. Isto por si só, não faz de nós más pessoas, (também as há), agimos desta forma porque “sempre foi assim”. Mas tem de deixar de ser.
Tudo o que tomamos por garantido hoje é fruto de lutas de outras mulheres e homens. Podemos votar, podemos viajar sem autorização de um homem/dono, podemos estudar, podemos ser proprietárias, podemos conduzir, podemos decidir em relação à nossa vida reprodutiva. O que está por fazer não pode ser legislado. Tem de ser interiorizado por cada indivíduo.
Ser feminista, no fundo não é mais do que ser uma pessoa decente. E ser uma pessoa decente está ao alcance de todas e de todos. Falar de feminismo é falar de direitos humanos.
Seria muito injusto fechar o texto sem deixar aqui um abraço (confinado e mascarado, claro!) à Sónia Calvário que criou este espaço a que, com muito orgulho, me associei. Não são comuns os lugares que unam mulheres e onde estas tenham primazia, espaço, tempo e voz. Tudo isto torna o Expoente M único, digno de admiração e aplauso e cabe-nos a todas e todos o dever de zelar para que a sua vida seja longa e frutífera.