Do inverno das coisas ao poente do infinito
Ana Fafe
A primavera já chegou, mas nem o sol conseguiu afastar do horizonte medos e exageros consequentes de um confinamento que afastou física, e psicologicamente, as pessoas.
A mudança não se consegue travar, mas continuamos a ver “luxo, os apetites, as vaidades, a grande emulação das amizades, as falas divinas e astutas manhãs, com Deus na boca e o demo nas entranhas”, tal como diz a canção “Ser Solidário”, de José Mário Branco.
Mesmo em época de luz “não há sol que sempre dure” e é preciso lembrar que “Ser solidário” é cada vez mais preciso porque…
há palavras que doem
e que ferem os lábios.
Também as há doces,
mas não passam de palavras.
Na medida arbitrária da duração das coisas,
o tempo corrompe certas circunstâncias.
Em cada uma das divisões do compasso,
uma série ininterrupta e eterna de instantes.
A prazo, a demora mostra as rugas.
O vagar corroí as olheiras da estação
e nesse instante preciso
a época determina o movimento do outro.
É preciso esperar pelos heróis!
O poder? Esse corrompe as entranhas.
Não é permitido mover-se mais
Erguem-se muros e correntes
nas enchentes das praças
onde os gritos se calaram
e onde os passos aceleram.
Não se canta a melodia.
No fim soam versos desfeitos
no embate dos tijolos.