
à primeira segunda do mês
Ana Santos
Cresci a observar o meu avô a trabalhar o barro, a vê-lo moldar ideias com as mãos. Também cresci a ouvir contadores de histórias e amoladores de tesouras – dos segundos conheço-lhe bem o toque mas nunca vi nenhum! Às vezes ia a correr a assomar-me à janela e nada – só o som – para mim era como se fosse magia, daquela que se aprende nas Bibliotecas e nos livros. No fundo, cresci numa cidade que sonhava acordada. E quando te ensinam a fazê-lo nunca mais perdes essa mania. Hoje em dia confesso que era preciso ter alguma paciência para correr para a janela sempre que ouvia um amola tesouras – e continuar sem ver nenhum. Mas a escuta faz-se da espera e agora temos pouco tempo para esperar… também temos pouco tempo para escutar. Há uns anos atrás caiava-se…e esperava-se. Depois dava-se outra demão… e esperava-se. Nesses intervalos até dava tempo de lermos o jornal por inteiro, conversar com os vizinhos e, em grande parte, partilhar histórias. Também havia, nessa espera, os que cantavam e os que escutavam.
Italo Calvino escreveu em “As Cidades Invisíveis”: “Na cidade onde cresci há muito para escutar”. Hoje sinto mais dificuldade em escutar e imaginar as cidades, onde muito raramente se caiam as paredes. São muitas coisas para pensar e organizar, muitos canais de comunicação para gerir desde o telefone ao e-mail e outras redes socias (das virtuais), o que faz com que estejamos dependentes, constantemente, de um aparelho que ora anda no bolso, ou na secretária, ou na mala. Se não for esse aparelho ninguém saberá às quantas anda e poucos saberão quando vou andarilhar com o meu violino para a aldeia mais profunda.
Um oleiro, muito antigo de saberes, sabe perfeitamente onde deve cavar para encontrar o barro. Agora podemos encomendá-lo pronto a usar através do telemóvel. Ainda não consegui perceber em que medida é que esse aparelho altamente sofisticado nos retira a proximidade com o outro. No entanto, é maravilhoso hoje em dia podermos aprender sem sair de casa como se dançam os rituais populares em Marrocos como a Gnawa, ouvir os cânticos budistas, a lira grega, os maqamat árabes e muitas outras práticas ancestrais.
Não sei se será realmente incrível, mas faz lembrar aquela magia que aprendemos nas bibliotecas e nos livros.
Às vezes, agora muito raramente, ainda escuto o amola tesouras à janela.
Sinto precisamente o mesmo. Mas tive a sorte de me pôr muitas vezes a conversa com o amolador. Fascinava-me as faíscas que iam saltando das suas mãos… Com as tecnologias é um Amor/ódio. Fico presa. Não quero. Será que não quero?… curiosidade… desafio. 70 anos, até onde sou capaz de ir sozinha sem ensinamentos?
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Irá longe, muito longe certamente!
Obrigada.
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