excogitações
Sofia
Chamem-me reacionária, saudosista, sebastianista ou até fascista, ou louca que poderá ser mais adequado, mas acredito fielmente que já não há verdadeiras histórias de amor.
Hoje apaixonamo-nos pela luxúria, somos orgasmodependentes, partilhamos esboços na nossa vida com os outros, mas somos inaptos para amar da única forma que é legítimo amar: sem medida.
Se estou convicta do que escrevo também estou igualmente convencida que somos inocentes e esta nossa ineptidão para amar é uma das plúrimas tragédias da pós-modernidade. Sejamos honestas: como podemos amar verdadeiramente se já ninguém escreve cartas de amor. E não me venham com as tretas que hoje há emails e sms. As sms são adequadas para combinar comer alguém, mas o verdadeiro amor tem de ser manuscrito e reescrito, com a letra aprimorada, em cartas perfumadas em cuja cada reticências há um suspiro de desespero.
Não me interpretem mal: eu também sou miúda para usar calças de ganga e gosto muito mais dos meus ténis do que de vários gajos que passearam sem sucesso na minha cama, mas honestamente alguém acredita que se pode amar de sapatilhas? Para o amor ser real é preciso o cetim, um chapéu, óculos escuros a cobrir dois terços do rosto e evidentemente saltos altos e um bode a tocar violino como nos quadros do chagall, num daqueles horizontes nostálgicos em que o sol vai adormecer nas águas. E uma daquelas bandas sonoras que nos convocam todas as lágrimas do corpo.
Porque o verdadeiro amor também se alimenta da tragédia e da distância, e valter hugo mãe tem razão quando escreveu à sua madalena só não te toquei ainda porque me seduz a proximidade da primavera e a ideia de esperar. E, nós, perdidos na nossa concupiscência, perdemos a arte de saber esperar.