
Do inverno das coisas ao poente do infinito
Ana Fafe
“E se a terra fosse uma coisa para trincar… Seria mais feliz um momento…”, diz o poema de Alberto Caeiro e aqui se repetem as frases do heterónimo de Fernando Pessoa que respeita os tempos e que saboreia as coisas simples da vida.
Antes de entrar na nostálgica época outonal, a fazer adivinhar o inverno rigoroso destas paragens, é preciso perceber que “nem tudo é dias de sol” e que “a chuva, quando falta muito, pede-se.” Parece fácil este pensamento! Alberto Caeiro “brincava” assim com as vivências e as palavras.
Ainda é cedo para antever o frio, mas está na altura de amenizar o presente. Em tempo de escolhas talvez fosse interessante “sentir como quem olha e pensar como quem anda”, conselhos de um Pessoa, outro que não ele, capaz de observar e de ser clarividente, utilizando tão somente os sentidos que convivem connosco e sempre tão relegados para outros planos pois ninguém quer ser apenas básico, mesmo correndo o risco de o ser ao negar tais perceções.
Pois é! A terra pode mesmo ser trincada, cheirada, escorrer-nos pelas mãos… Basta abraçar a alfazema para acalmar a ansiedade, e combater a insónia, depositando duas a três gotas sobre o travesseiro ou espalhar o seu óleo nas feridas pequenas e usufruir desta limpeza, tonificação e tratamento das dores do corpo e da alma. E depois é só sair das conchas das praias de um verão quente, e longo, permitindo aos olhos perceber que se misturam os azuis do céu e do mar, lembrando que há circunstâncias que não nos pertencem e que há mudanças que só a nós competem.
“Mas eu nem sempre quero ser feliz. É preciso ser de vez em quando infeliz para se poder ser natural…”. Este “jogo” simples, uma vez mais das ideias, por Alberto Caeiro faz-nos perceber que um dia, também nós, podemos aspirar a ter a água tépida, os cocos e a areia nos pés descalços como companhias nos verões, nos meses amenos, nos invernos e nas primaveras dos dias porque o “poente é belo e é bela a noite que fica… Assim é e assim seja…”.