excogitações
Sofia
Sempre fui apaixonado por literatura. Devorava livros na pré-adolescência e ainda hoje não compreendo o conceito de adormecer sem um livro na cabeceira e em silêncio desdenho de quem tem televisão no quarto. Como, desde a primária, que me encanta escrever, brincar com as palavras, inventar estórias e a ironia dos silêncios. Pelo que, sempre colecionei pequenos livros onde anotava reflexões e projetos que quase sempre morrem em gavetas.
Apesar de estar a envelhecer com um sorriso, a idade trouxe-me a mágoa de perceber que não vou ler todos os livros que gostaria e entristece-me que algumas palavras minhas jamais serão escritas.
Por tudo isso, quando há três anos a minha querida amiga Sónia (conhecemo-nos há mais de três décadas) me desafiou para uma crónica mensal no expoente M aceitei acriticamente. Até porque me permitia revisitar um tempo onde misturava viagra com prozac; e sendo inequívoco que esse tempo já não volta, porque não assumi-lo, tenho orgulho e alguma saudade.
E foi assim que nasceu a Sofia, que já vivia guardada num moleskine; uma personagem acidental de um romance, que ganhou vida própria, por quem me apaixonei e que sempre desejei dar uma nova vida. Estranhamente, porque a Sofia se limitou durante três anos a brincar com o quotidiano, teve leitores e da escrita passou para a rádio. Pelo que era imprescindível dar-lhe uma voz, que apenas podia ser a da Sílvia, porque efetivamente a Sissi é a outra parte de mim, a melhor parte de mim.
Escrever através de um alter-ego [não confundo com heterónimos, porque tenho a exata dimensão da minha altura] é um desafio interessantíssimo que me fascina, pelo que, guardo com carinho a grande maioria dos trinta textos que publiquei na pele da Sofia. Mas, também tenho consciência que assoberbado de trabalho e projetos, os últimos roçaram a mediocridade, escritos em breves instantes sem sequer tempo para uma revisão.
Sempre defendi que saber sair é uma arte e neste momento tenho consciência que continuar era trair a amizade da Sónia (e das pessoas que sentem carinho pela Sofia), pelo que esta será a minha última crónica no Expoente.
E, porque hoje me calo, este é também o momento da Sofia fazer um striptease invertido, ou seja, despir as roupas do pseudónimo e assumir que fui eu, hugo cunha lança, o culpado de todos estes dislates.
Foi efetivamente um gosto que guardarei eternamente naquela caixinha das recordações que me fazem sorrir!
Que divertido! Verdade que não li os textos todos, mas ia lendo e fui bem enganada. Claro que agora, depois de saber, é óbvio o “porra! como é que não percebi?!” Que divertido que é ser enganada, quando só se ganha com isso.
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