e agora eles
Pedro Frazão
O convite da Sónia para escrever um texto no Expoente M não só me apanhou de surpresa como me deixou com um peso enorme em cima da mioleira, que tem estado dormente, de atenções viradas exclusivamente para as eleições. A folha de texto em branco e as teclas do pc vão aguardando que os impulsos eléctricos saiam deste cérebro entupido por ideias e memórias atabalhoadas de cinco décadas, qual sótão atafulhado de monos, para que desbloqueie e esvazie, dando assim espaço a mais e melhores motivos para o preencher. Mas a minha cabeça não funciona sempre bem e por um lado ainda bem que não. A minha memória, apesar das desventuras todas a que a submeti, ainda teima em dar-me chapadas e em manter-me acordado para a vidinha. Amém? Nem por isso. Às vezes dói.
Este texto reúne uma série de murros e pontapés, desferidos à minha maneira, na arena deste circo que até podia ser só de feras, mas onde me parece que os palhaços estão em larga maioria.
Trocadilhos à parte, nas próximas linhas vou insultar alguns homens e algumas mulheres, e não vou pedir desculpa por isso. Se me quiserem insultar de volta, sintam-se à vontade.
Mas primeiro começo por dizer mal da minha vida.
Aguardei pelo desfecho das eleições para escrever estas palavras e um dos maus cenários veio a concretizar-se e afinal tenho mesmo de escrever pelos piores motivos.
– Pedro Frazão?
– Presente.
Esta podia ser a memória de um qualquer início de aula nos meus tempos de escola, mas não. Vai passar a ser o dia-a-dia de um dos deputados eleitos pelo chega. Sim, escrevi chega em letra minúscula que é o respeito que merecem por tanto desrespeito que têm. A minha sorte é que estes “senhores” adoram faltar e provavelmente não vou ouvir o meu nome tantas vezes. O eleito é de Santarém onde tenho raízes do lado do meu avô paterno e onde sei que o nome Frazão é uma espécie de Silva. Já encontrei Frazões em muitos sítios diferentes e Pedros Frazões há muitos também. Mas porquê eu? Porquê um chegano chamado Pedro Frazão? Sempre impliquei com o meu nome, não com o de família, mas sim com o Pedro e para subir ainda mais os níveis da minha raiva vem seguido de um Miguel. Disse muitas vezes à minha mãe que queria mudar de nome.
– Quero ser João ou apenas Miguel.
A minha mãe ria-se e eu ficava ainda mais irritado porque a vontade era mesmo genuína. Ontem voltei a sentir essa irritação que tinha ainda com a cabecinha cheia de ideias inocentes e que pelos vistos era mais que legítima. Voltei também a ter a certeza de que as crianças são mais sábias e têm mais noção do mundo, e pelos vistos do futuro, do que qualquer cartomante ou vidente.
Devia ser dado às crianças o direito de escolher o seu próprio nome. Entre Dadada, Bububu ou Nãããããããããão, há muitas e boas sugestões. Aliás, qualquer som produzido com aquela mistura jocosa de baba e ranho, própria de quem ainda lhe estão a nascer dentes, tudo soa melhor que Pedro Miguel.
E agora, 50 anos depois, sinto-me literalmente num episódio da Twilight Zone, num mundo paralelo mergulhado num constante pesadelo, onde a estupidez ganha cada vez mais espaço e a inteligência, a sabedoria, anos de estudos e investigações, tudo tem menos crédito que as javardices, por exemplo, do Burro de C…perdão, Bruno de Carvalho, entre muitas outras javardices televisivas. A prova de que neste redondo manicómio o lema “quanto mais burro melhor” está a tornar-se numa das maiores trends de todos os tempos, é o resultado das eleições legislativas.
Clap, clap, clap! Bravo Portugal! Bravooooooo!
Agora, mais representados e com mais vuvuzelas humanas desafinadas a vomitar as suas doentias fobias no último reduto da democracia, os neandertais rejubilam, babando-se e vociferando em coro “Portugal é nosso!”.
E dizem os pseudo-democratas choninhas numa espécie de falsete anasalado “é a democracia a funcionar!”.
E a minha resposta são piretes em barda, porque fazer piretes também é democrático e é o que esses dois exemplos gritantes de que a democracia não está a funcionar merecem da minha parte, apenas como aperitivo. O resto da refeição é um empadão de impropérios, ainda fervendo, pespegado nas trombas. Perdoem-me os amantes de empadão e já agora, o pessoal que tem voz em falsete anasalado.
Mas, no meio de todo este turbilhão penso sobretudo nas mulheres. Que o mundo está impregnado de gajos parvalhões, isso já toda a gente sabe, mas constatar que também há mulheres muito idiotas, é doloroso. Para piorar ainda mais esta penosa constatação, parece que ultimamente as próprias fazem questão de mostrar de forma orgulhosa o nível assustador da sua grunhice, numa espécie de competição com os parceiros grunhos. Fico com a sensação de que esses seres desnaturados perceberam as mensagens todas ao contrário e em vez de tentarem apagar todos estes séculos de machismo e patriarcado cavernoso, entre muitas outras barbaridades, querem perpetuá-los e o pior é que estão a dar a abusadores, violadores, stalkers e a uma crescente espécie de bacorões, toda a legitimidade e ainda mais motivos para continuarem a ser os criminosos que sempre foram e aos quais, pelos vistos, pouco ou nada acontece.
Duvido que as “senhoras de bem” gostem de ser enxovalhadas, assediadas, perseguidas e outras coisas bem piores, até porque tenho a certeza que entre essas alminhas “democratas” estão muitas que ainda há pouco tempo andavam por aí neste belo paraíso onde nunca houve assédio, a espalhar notícias de perseguições e violações que vieram depois a provar-se serem infundadas e falsas. Os alvos destas acusações eram, mais uma vez, os imigrantes que trabalham na agricultura. Ou seja, só é assédio se não tiver aquela bela cor de quem toma banho com lixívia e se não tiver olhos claros, duas características genéticas seculares da grande maioria da população portuguesa.
Em Dezembro, uma empresária de Beja que tem uma loja numa zona muito frequentada por imigrantes, fez um vídeo no Instagram no qual relatava a sua situação agoniante e numa notória pilha de nervos contou um episódio de assédio por parte de um cidadão português que lhe entrava loja adentro e se achava no direito de ali ficar a importunar a vítima. Sim, vítima. Não é preciso morrer para se ser vítima de alguma coisa, se bem que nem com os números monstruosos dos casos de violência doméstica bem destacados diariamente, as “senhoras de bem” percebem que na quase totalidade dos casos as vítimas são mulheres portuguesas que morrem nas mãos dos seus companheiros portugueses. Mas também os casos de assédio escalam de forma alarmante e, no entanto, estão a ser desvalorizados pela sociedade sob o pretexto do vulgarizado direito à “liberdade de expressão” que hoje em dia serve para tudo e acima de tudo para ofender de forma criminosa. Felizmente, no caso que mencionei antes a coisa ficou resolvida, mas tal como me contou a proprietária da loja, teve de ser o seu marido a por fim ao abuso do stalker e não a justiça.
Esplanando, como gosto muito de fazer com a minha companheira que muito mais do que eu tem um radar para estas situações, porque como mulher diz que “aprende-se a viver com isso”, uma afirmação que para mim é como um murro no estômago, noto tantas e tantas vezes o à vontade com que estão certos “senhores da cidade” nos seus habituais poleiros a ver quem passa e a babarem-se para as mulheres, que em muitos casos são ainda miúdas. Muito poucas são as que conseguem ter paciência para dar uma resposta. Tenho a certeza que todas as outras, de tão cansadas, acham mesmo que já nem vale a pena o esforço, até porque “atenção é tudo o que esses idiotas querem e é isso que não lhes podemos dar”, palavras em uníssono de muitas mulheres vítimas de assédio por este mundo fora.
“Just boys being boys!”, ou por cá “isso são coisas de rapazes!”, uma das muitas frases que reflecte a relativização do abuso em jeito de educação geracional e é aí que reside um dos muitos problemas que alimentam esta abominação com séculos de existência.
Há pais e mães que ainda acham, não apenas que é normal um filho ser um javardolas com uma mulher, como acham que é um direito. E esta gente vota, porque também é um direito. E eu faço-lhes piretes com as duas mãos ao mesmo tempo, porque também é um direito.
A Constituição, essa desgraçada toda estraçalhada e abandonada pela República e as malfadadas leis que ainda a vão mantendo de pé, dizem que aqui não, em Portugal não há espaço para fascismos e atentados à integridade física e moral. Nota-se! Pelos vistos são essas duas peças fundamentais para o normal funcionamento da democracia que começam a tremer e a dar claros sinais de uma fragilidade preocupante.
Afinal não era o sistema que ia tremer, tal como prometia a publicidade enganosa do dedicado devoto das causas da igreja que diz que quer castrar os pedófilos, mas sobre os casos de pedofilia dentro da própria igreja nem um piu. O sistema que criou e alimenta esse enviado de deus, está agora mais representado que nunca na Assembleia da República, pelo partido que o quer perpetuar, tudo ao contrário do que apregoam os seguidores do messias português. Digam o que disserem, é tudo farinha ruim do mesmo saco, cujo prazo de validade expirou a 25 de Abril de 1974. É por isso que aconselho vivamente as senhoras da limpeza da AR a colocarem daquelas velinhas de cheiro ou outro qualquer ambientador no hemiciclo, porque vai começar a cheirar muito a azedo!
E entretanto, eu chamo-me Obladi Oblada, porque a minha life goes on, ok?