
Do inverno das coisas ao poente do infinito
Ana Fafe
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
Machado de Assis
Em tempo ainda de pandemia, ou endemia, não sei bem, a confusão instala-se e o início de um novo ano também ajuda nas distrações, imprecisões de ser tudo menos perfeito, até porque se a perfeição existisse seria uma grande chatice. Divagações! Resiliência? Não interessa, o frio aumenta distâncias e, por vezes, até evita o pensar.
Mas a conversa é outra. É de travessias que a minha reflexão de janeiro quer tratar. A palavra significa “viagem, ou passagem, através de grande extensão de terra ou de mar”, diz o dicionário. Ou seja a vida! O caminho que cada um tem de fazer e que muitas vezes adia. Seja como for esta “passagem” acaba sempre por nos encontrar: nas curvas do mundo, dos dias, das intenções e nos momentos. Depois penetra em nós sem pedir licença.
Janeiro é um bom mês para esta “passagem”. Embora 2022 tenha obrigado à reflexão neste primeiro de 12 longos meses. Há travessias precoces, outras tardias e muitas passagens. Há quem nunca tenha feito nenhuma destas e quem se tenha confrontado com tantas. Por isso, não sei se me apetece mais alguma! Talvez quando o tempo mudar…
A prosa faz parte do meu dia-a-dia, mas a poesia é, sempre, a minha preferida. Sendo assim, aqui fica, em forma de poema, ou do que lhe quiserem chamar, as minhas promessas para os próximos tempos:
Deserto
Entendo estar atenta.
Parto a distância.
No fim sou eu e o Mundo.
No recolher e no encontro.
No horizonte esmorecem as asas do corvo.
Perdidas num voo sem rumo.
Remo nas vagas desajeitadas.
Sigo o horizonte até à outra margem.
Não está lá a minha busca.
As marés mudaram de direção.
Que 2022 traga muitos sorrisos rasgados e menos travessias pois estas querem dizer, quase sempre, solidão e não estamos neste Mundo para caminhar sós…