idos de fevereiro
Sónia Calvário
Apesar dos avanços no que respeita à igualdade de género, a mulher do século XXI continua a assumir a maioria das tarefas domésticas e do dever de cuidado, com os filhos e com os familiares mais vulneráveis. Por outro lado, tem procurado a realização profissional. A exigência do mercado de trabalho tem vindo a crescer, nomeadamente no que respeita à capacidade de fazer várias tarefas ao mesmo tempo e de transitar rapidamente entre atividades diversas. O multitasking tem sido uma característica cada vez mais apreciada e as mulheres têm conseguido fazer-se valer da experiência neste domínio. Os custos desta acumulação de responsabilidades são conhecidos. E vão agravar, na mesma medida dos retrocessos nas conquistas alcançadas no que à igualdade de género diz respeito.
E é precisamente sobre o papel da mulher, da sua experiência e da sua infinita capacidade de encaixe, que quero falar.
Como sabemos, em Portugal, existem mais mulheres do que homens, apesar da diferença nos nascimentos ser muitíssimo reduzida, até com vantagem para o sexo masculino. As mulheres estudam mais, ganham menos e dominam as atividades, quer sejam formais, quer não formais, relacionadas com os cuidados e a educação (em 2019 eram 70% dos docentes, a que acrescem as classes não docentes). São, portanto, as educadoras e cuidadoras de “primeira linha”: têm a seu cargo, pessoal e/ou profissionalmente, as crianças desde as mais pequenas aos adolescentes. São cerca de 850 mil.
As mulheres encerram em si a História da desigualdade na humanidade, quer de facto, quer de Direito, seja entre homens e mulheres, seja entre pobres e ricos, ou pela sua diferença, origem ou cor da pele. E, também por isso, o fardo possibilitou desenvolver competências e habilidades que as colocam em vantagem na gestão de conflitos, na organização social e na transmissão de conhecimento(s) e valores. A sensibilidade, a capacidade de calçar o sapato alheio, a compaixão e o amor são mais comuns nelas. Ainda que grande parte sejam consequência direta da construção social, a esta realidade não é alheia a ligação, única, que em regra se estabelece durante a gravidez, na maternidade e depois com a parentalidade. São sentimentos bons de sentir, quer para quem os transmite, quer como destinatários. Há quem nunca os tenha sentido ou que a vida acabou por fazer esquecer.
A inteligência emocional desenvolvida ou potenciada, ao longo dos tempos, tem de ser partilhada. Só lá vamos todas e todos juntos. E as mulheres têm o que é preciso para a transformação, estando em situação privilegiada para a conduzir.