Laboratório de (des)construção poética
Marias
Leopoldina Pina de Almeida
A poesia veste-se com imagens longas e soltas e vagueia por todos os nossos lugares. Passeia em círculos pelo desconforto acumulado dos corpos e diverte-se a desafiar as suas arestas mais cansadas. Vai libertando os espaços que foram deixados ao abandono. Concentra-se nos tecidos que estão em pausa. Dilui-se no plasma repetido dos dias. Por isso, por vezes não saboreamos a sua textura. Não inalamos os seus líquidos. Ruidosos monólogos internos afastam-nos do seu odor. Nessas alturas ela torna-se transparente e escorregadia, esfuma-se sem passar pela língua, evapora-se no frio contraído dos nossos poros.
Se respirarmos devagar, a sua melodia regressa de longe, com o vento quente das gargalhadas, a brisa azul dos pássaros e o ar imóvel dos olhares prolongados. Confunde-nos ao ser tão simples. Mistura com risos o toque dos sentidos e tatua-se com riscos no avesso da pele. Está ali, à espera de ser descoberta com um mergulho despido para o interior de nós. Quase sem fazer agitar as águas. Um rasgar sem som. Apenas umas gotas saltam da superfície polida. Salto mais que perfeito.
É este reencontro que vamos propor em julho. Como vem sendo hábito há mais de uma década, as LdE vão dedicar este mês à Poesia, com o ciclo 1 actor 1 músico, dirigido este ano pela Inês Minor. Por detrás de cada uma das 4 performances propostas, todas as quintas e sextas-feiras na Galeria do Desassossego, há sempre um trabalho de (des)construção poética. Este ano vamos aproximar-nos e aprofundar este trabalho, partindo da performance Universo Sou Eu, uma proposta de exploração do cosmos poético de António Gedeão, a apresentar pela atriz Inês Romão. Este laboratório EntreMarias vai simultaneamente encerrar este ciclo de Poesia e permitir-nos mergulhar suavemente nele. E podemos escolher várias formas de o fazer. Deixar-nos levar pelo sonho que é sinfonia, máscara grega, magia e retorta de alquimista, da Pedra Filosofal ou perturbarmo-nos com tudo o que cabe dentro de nós, que somos parte do todo, como no Poema da Eterna Presença.