O alfabeto LGBTQIA+ na Fox e a transphobic season

dissidências e resistências

Vera Pereira

Os media, e especificamente a publicidade, detêm um papel fundamental na modelização dos comportamentos e consciências e, em parte, funcionam como espelho das nossas filosofias de vida, princípios éticos, políticos e ideológicos, constituindo o grosso das ideias comuns, que enformam e justificam o nosso comportamento.

Ainda que, inquestionavelmente, a tendência seja a de sedimentarem e reproduzirem os valores centrais da sociedade, as construções sociais e as representações na publicidade e nos media alimentam-se mutuamente – desempenham um papel central no processo contínuo de criação e re-criação dos papéis e atributos de género, contribuindo para alimentar os paradigmas dominantes.

Mas uma das atribuições privilegiadas dos órgãos de comunicação assenta na possibilidade de divulgar temas até então invisíveis, revelando-se fundamental na construção e circulação de repertórios não normativos de sexo e género, atuando como mediadores e legitimadores de modelos plurais para o grande público. Constituem-se por isso como terreno de luta ao nível do género e da sexualidade, com potencial de instigação da subversão de valores e práticas sociais.

Após o “despertar” dos média para o público LGBTQIA+, rentável em termos financeiros, os profissionais de marketing consideram prioritário estabelecer um novo padrão face às marcas que se apegam a visões tradicionais de género, que podem alienar estes consumidores.

Incluir a diversidade de identidades e orientações sexuais tornou-se bem visto pelos sectores do público que advogam uma comunicação de massas mais democrática e sintonizada com a pluralidade. Algumas marcas, especialmente na última década, têm vindo a responder à mudança social, visibilizando orientações sexuais não normativas, como forma de construção de estratégias para alcançar e fidelizar públicos, nomeadamente a geração Z, que não encara o género como caixinhas bem organizadas e se posiciona positivamente face à fluidez.

Mas então, se a publicidade tem potencial para promover a aceitação social da pluralidade de género, identidade e orientação sexual, porque foi a campanha sobre o alfabeto LGBTQIA+ da Fox tão contestada?

Quando se introduzem identidades plurais, amiúde estas constituem um ponto de referência para a afirmação da identidade cis-heteronormativa, que se serve do contraste e da oposição para legitimar a hegemonia. Ao mesmo tempo que a visibilidade de identidades não normativas promove novas referências no combate à ignorância e LGBTQIA+fobia, pode acirrar medos e provocar atitudes discriminatórias, estimulando a organização de grupos e de campanhas conservadoras.

A acrescentar há já habitual transfobia dos setores conservadores e de direita, recentemente uma série de comentadores televisivos, colunistas e humoristas transformaram a silly season numa transphobic season, marcada não pelo gracejo fácil e pela piadola inconsequente, mas pelo total desconhecimento, pela profunda falta de empatia, pela incapacidade de se colocarem no lugar das pessoas trans*.

O aspeto positivo é que as reações não se fizeram esperar, e pessoas trans*, ativistas, investigadores e aliados usaram os mesmos órgãos de comunicação para esclarecer e informar. Não terá chegado a todos os leitores, ouvintes ou espetadores da mesma forma e na mesma escala – os palhaços sempre souberam cativar o público – mas mostrou que, em vários setores da sociedade, há pessoas comprometidas a trabalhar em prol do reconhecimento, da aceitação e do respeito. A fazer ouvir outras histórias, outros discursos e outras vozes, contra a ignorância, o medo e o ódio.

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