dissidências e resistências
Vera Pereira
Ainda que a evolução social seja inegável, as responsabilidades da vida familiar continuam a pesar fundamentalmente sobre as mulheres: as representações sociais tradicionais reificam os homens como provedores da casa, enquanto às mulheres se lhes atribui uma predisposição natural para o cuidado, da casa e da família, levando a uma clara sobrecarga de trabalho feminino no que se refere às tarefas domésticas e à prestação de cuidados familiares.
Em Portugal é entre os 25 e os 44 anos que mais tempo é dedicado ao trabalho doméstico e ao cuidado dos filhos, representando na generalidade o período em que a maternidade exige mais dedicação e disponibilidade. No caso das famílias monoparentais, os desafios são acrescidos pela falta de creches, infantários e cuidados formais a preços acessíveis.
Frequentemente é a mulher a debater-se com os choques entre as responsabilidades parentais e profissionais, gerindo a articulação e adaptação ao horário de trabalho pago, as saídas do trabalho em situações de emergência e as faltas ao trabalho.
A desigualdade de género está embutida, indelevelmente, na maioria dos locais de trabalho, verificando-se uma clara preferência por trabalhadores homens, pela possibilidade de se dedicarem mais ao trabalho, pressupondo-se que as mulheres têm mais ocupações fora do horário de trabalho estipulado.
Em muitos locais de trabalho reconhece-se às mulheres mais necessidades e responsabilidades no que respeita à vida familiar e pessoal, o que, em boa verdade, não representa um tratamento privilegiado, mas uma visão inequivocamente estereotipada sobre os papéis de homens e mulheres no seio da família e uma manifestação inegável das persistentes desigualdades de género, não só no que se refere ao trabalho, mas à sociedade de forma transversal.
As diferenças gritantes na distribuição de tarefas domésticas agravam a carga de trabalho total, e isso reflete-se na diminuição de tempo para investir em formação e educação superior, o que contribui para que as mulheres não beneficiem das mesmas oportunidades de emprego e de carreira que os homens.
O desequilíbrio na prestação de cuidados inclui também desigualdades mais subtis, naturalizadas, que resultam amiúde na sobrecarga continua das mulheres com filhos pequenos e a ausência de tempo para dedicar à vida pessoal e ao lazer.
Articulação, qual articulação?