Maria Campaniça
Celina Nobre
No ciclo eterno
No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo inverno após novo outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me infiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.
Ricardo Reis
No Outono o sol dorme mais cedo. Cansado recolhe. Castanhas aconchegam-se, em caixas de madeira, e caminham em direcção à Feira de Castro. Onde moram outras tabancas que vendem vergas, barros, agasalhos e haveres vários, para a Invernia que, no ciclo eterno das mutáveis coisas, irá acontecer. As formigas de asa chegam sempre antecipadamente. Marcando o inevitável encontro com o devir.
As árvores despem-se de folhas. Das desnecessárias. Sobra a raiz que, de pé, as mantém. E nós caminhamos, cabisbaixos, sobre essas folhas velhas e gastas na expectativa das primaveras. Adiadas. Desviadas. Talvez utopias. Soubéssemos, nós vestir algo aconchegante. Aprendêssemos, agora, a apreciar o amarelado cinzento dos dias curtos e a sinfonia perfeita duma chuva ansiada.
Antes do que o tempo dita, usufruiríamos do crepitar da lenha de azinho a aquecer-nos a alma e o inverno apenas chegaria. Sem sobressaltos. E seria belo. Apenas.
No espelho dos dias, já só vemos figos secos. Enrugados. Cansados, de serem flor, resignaram-se a essa condição. Sem caixa, nem à venda, numa qualquer feira do Sul, impõem-se agora, num espelho, cada vez mais embaciado, mas persistente, que nos relembra – de forma permanente – que, a seguir ao Outono, o Inverno acontece. Inevitável. Duro e trágico.
Antevendo tempestades, recolhemos, ao sol-posto de nós próprios, com angústia. Temendo não ter a coragem necessária para enfrentar a intempérie. Ao de cima vêm todas as fragilidades. Até as que sazonalmente nos afligiam, apenas na primavera/verão, causando espirros e corrimento nasal. Porque somos assim. Medrosos. Dramáticos. Inseguros. E vulneráveis. Mesmo às estações do ano. Baralhando-as. Até.
Que na próxima semana, em pleno Outono, quando completar 56 anos, que a clausura maligna da minha índole indecisa – da qual padeço em demasia – não me deixe refém e presa da pálida fatalidade de não me mudar. Ou melhor: de não me continuar. Porque no devir das estações há propósitos que são eternos e infindáveis. A esses agarremo-nos firmemente, aligeirando a bagagem, mandando os espelhos à fava, persistindo e florescendo. Em todas as estações. Das que somos, indubitavelmente, feitos.
E quando, finalmente, o inverno chegar, que cubra de neve todos os campos. E a nós. Transformando-nos em anjos com espinha dorsal.
– Acredito que, noutra qualquer dimensão, continuará a ser relevante.