carrossel dos esquisitos
Ana Ademar
Hoje é dia de Halloween, Dia de Los Muertos, dia de sustos, do medo. Uma festa tradicional mexicana importada e adaptada pelos norte americanos à sua realidade, posteriormente exportada para o resto do mundo. Esta “invasão” do Halloween não é um fenómeno recente, para terem uma ideia: quando eu andava no segundo ciclo (1865 d.C.) já se festava o Halloween no contexto da disciplina de inglês. Parvoíce? Talvez, mas além de nos divertirmos imenso ainda escrevíamos uns textos em estrangeiro numas cartolinas que expúnhamos no polivalente. Também fizemos uma visita de estudo ao McDonalds do CascaisShopping, para conhecermos a “comida tradicional” (?!) e não morreu ninguém por isso. Talvez apenas o meu respeito pela professora de inglês.
Não vejo porque é que o Haloween possa ser tão prejudicial à nossa cultura. O que é que temos para proteger que seja atacado pela importação de uma noite de máscaras, sustos, teias de aranha e medo do que não vemos e tememos que exista mesmo: todo um mundo de fantasmas e mortos que nos querem ver, falar e assustar? Na verdade, na origem da tradição, está precisamente a vontade dos vivos de comunicarem com quem já cá não está. E meus amigos, quem nunca?!
Medos? Tenho imensos. Vivo com eles. Tenho medo das ratazanas com que me tenho cruzado com cada vez mais frequência na cidade; tenho medo de perder capacidades; tenho medo do aumento das taxas de juro; tenho medo que o Costa nos dê 125€ e um “não digas que vais daqui” e pronto; tenho medo que ninguém deite mãos à recuperação efectiva do centro histórico da cidade de Beja e ele continue em decadência e a definhar até à derrocada final das fachadas; tenho medo de ser ridícula (e não pelas cartas de amor que escrevo, não escrevo cartas de amor); tenho medo de chegar à conclusão que viver no interior é de facto uma parvoíce, apenas uma forma vazia de resistência que no fundo não adianta nada e só me dificulta a vida a mim; tenho medo que o medo que os homens têm das vaginas continue a fazer com que as mulheres não sejam respeitadas e continuem a perder direitos conquistados com tanta luta; tenho medo de vizinhos malucos; tenho medo que a incompetência continue a marcar pontos e a prejudicar a vida de toda a gente… e podia continuar. Tenho estes e outros medos mais ou menos confessáveis que não vou explanar aqui, mas poderá ser um próximo desafio: um “Carrossel dos Esquisitos” só com uma lista de medos. Até devo ter material para mais do que um. Mas… ainda assim, medrosa como sou, não me mete medo adoptar tradições de outros, porque isso não implica esquecer-me das minhas.
Para os chatos medrosos que insistem em gritar com o punho no ar: “isto não é uma tradição portuguesa!” Não, meus queridos, não é. Mas tudo leva a crer que afinal a festa do medo faz todo o sentido: há um monte de gente cheia de medo que o Halloween, uma tradição estrangeira, que veio de fora, roube o protagonismo de tradições portuguesas a que ninguém liga nenhuma. E eu sou grande fã do pão por Deus, mas quer-me parecer que, já não seria muito bem aceite, mesmo pelos defensores dos costumes e valores tradicionais que, com 40 anos fosse de talego em mãos, pedir de porta em porta.
Eu cá vou-me mascarar e ver o concerto dos UsMurhaça e ouvir os discos que a Nádia vai meter para a gente ouvir. Vou, cheia de medo é certo, mas vou. E medo de quê? De que às 9 ou 10 da manhã me toquem à campaínha e seja uma horde de marmanjões e marmanjonas com o talego aberto a pedir o pão por Deus… esperem lá!
En garde, senhores e senhoras! En garde!
Aqui fica o desafio para os adultos medrosos: pela manhã de dia 1, agarrem nos vossos talegos e já que o bom senso não se pode dar, peçam o pão por Deus – em nome da tradição!