
Do inverno das coisas ao poente do infinito
Ana Fafe
“Um dia, quando a ternura for a regra das manhãs, acordarei em teus braços”. A frase não é minha, mas sim de José Luís Peixoto e faz-me pensar em todo o que queremos fazer, dizer e até merecer, deixando sempre para outra altura.
Um dia acordamos e deparamos com a efemeridade como coisa certa, a nossa e a dos outros. Num Mundo onde a vida eterna nos é vendida com sabor permanente a juventude é madrasta a certeza da perceção do fim, causando uma dor indescritível. Nunca aguardamos este tipo de notícia, muito menos ter de as escrever, mas a realidade supera sempre a ficção e passa pela nossa face como uma brisa. Ela acontece e aparece sem ser esperada e nada podemos fazer! Na verdade mais do que efémera, a nossa passagem é como um grão de areia no deserto das emoções, nas nossas e de todos os que estão à nossa volta.
É por isso que prefiro a ternura como regra das manhãs, no beijo do filho que nos conforta, na carícia do gato que habita connosco, no telefonema do amigo que nos aquece a alma e no café que nos acorda, dia após dia, para a vida.
“No silêncio da noite”, como canta Caetano Veloso, relembramos o dia, no filme das ações em que as chamas deixam em cinzas construções, que demoram anos e apenas minutos a ficar reduzidas a pó. Tudo ao lado da nossa porta! É a atualidade que se espalha e nos bate como luva de pelica para nos dizer que é rápida a vivência, descontrolada e desregrada pois maltrata quem já nada tem, deixando-os mais despidos, ainda, de nadas.
Estamos no inverno!. Não é de todo a minha estação preferida. O frio entranha-se, escorrendo como gotas nas janelas. Fazer a diferença? São as reflexões feitas que nos vêm à memória e que nos impelem a voltar a “apanhar o boi pelos cornos”, desculpem-me o vernáculo, e deixá-lo fugir outra e outra vez.
É no cansaço das horas que eu nado em mim. E deixo de saber o que queria ou posso entender. Há sempre os outros, os poderosos, ou os que assim se julgam, para decidir rumos e colocar em causa voos inevitáveis de um Alentejo que brilha na luz de fevereiro e onde já se encontram primaveras a nascer.
O frio é certo nestes meses de trevas. E de regresso à efemeridade lembro a libélula, que durante 48 horas, as que tem de vida, bate as asas feliz provando flores e águas dos regatos.
Não são palavras tristes estas que deixo, nem de falta de esperança num futuro que desejo de desenvolvimento e de cascatas de oportunidades. São sim de quem “vencendo o tempo fértil em mudanças, conversa com doçura as mesmas fontes”, tal qual Cecília Meireles, cerrando as barreiras do Mundo.
E depois existem sempre os teus braços, aqueles em que quero despertar enroscada, e dançar envolvida, à chuva no entardecer.
“Chegamos sempre onde somos esperados!”. Sábias palavras as de José Saramago, assim como as vidas que manteve. Também ele viu e descreveu o que se passava para chegar depois ao registo do que pensava e queria dizer.
Assim espero eu… “Um dia, quando a ternura for a regra das manhãs, acordar entre os teus braços” pois será nessa altura que começarei a escrever.