dissidências e resistências
Vera Pereira
Ana Maria Calixto (1866-1926), nascida em Serpa, foi uma das maiores e mais consistentes defensoras do ensino feminino e do ensino misto em Portugal.
O ensino liceal feminino foi aprovado em Portugal em 1888, mas só em 1906 abriu o primeiro liceu feminino, o D. Maria Pia. Ainda que as raparigas se pudessem matricular em quase todas as escolas secundárias e superiores, poucas o faziam, e nas classes operárias habitualmente as filhas mais velhas não frequentavam a escola, dedicando-se à criação dos irmãos mais novos, às tarefas domésticas e ao trabalho infantil. Os costumes não viam com bons olhos educação das raparigas, e as mulheres que obtinham um diploma raramente conseguiam viver da profissão, devido aos preconceitos e à ignorância.
Ana Callixto, professora e Diretora do Colégio Fraternal, defendeu, no III e IV Congressos Pedagógicos, a educação da mulher como forma de aceder à cidadania e frisou o desleixo a que a educação feminina estava votada. Empenhada nos movimentos de promoção da escola e da educação popular, as suas intervenções advogaram a importância do ensino das raparigas, bem como da co-educação como forma de garantir a equidade educativa, levando a que raparigas recebessem instrução idêntica à dos rapazes, e não uma educação de “segunda”.
O ensino misto era o passo inaugural para a emancipação feminina, assegurando uma educação cívica que levaria ao interesse por temas alheios ao governo da casa e à criação dos filhos, nomeadamente pela política. Advogou que, mesmo que em Portugal se procedesse a uma reforma eleitoral que permitisse o voto feminino e igualdade política, isso não seria viável devido ao atraso provocado por séculos de educação insuficiente, focada em “trabalhos fúteis”:
“Só a co-educação em gerações sucessivas é que há-de ir habituando a ver na mulher uma companheira nas lutas da vida com aptidões especiais sim, mas não inferiores. Nestas condições cumpre à escola primária co-educar e descobrir aptidões que as escolas profissionais depois aproveitarão para fazerem de cada um trabalhador honesto, útil a si e à sociedade …. Não pode haver trabalhos femininos, exceto os inerentes à maternidade […] os trabalhos manuais educativos devem ser ensinados sem distinção de sexo 1…] o fim da escola primária não é impor trabalhos especiais a cada sexo, mas sim aproveitar as aptidões individuais.”
Esta mulher inspiradora percebeu que a educação feminina era uma forma de alcançar a independência, permitindo às raparigas e mulheres terem liberdade para trabalhar fora de casa, construir uma carreira e não ficarem subjugadas ao pai ou ao marido. Porque não há liberdade sem autonomia financeira.
Em vésperas de comemorar o 25 de abril, importa recordar a luta desta mulher e os caminhos que abriu. Quase um século após a sua morte, em Portugal as mulheres são hoje mais escolarizadas do que os homens – ainda que os cargos de topo e os salários mais elevados continuem a pertencer maioritariamente aos homens.