
Do inverno das coisas ao poente do infinito
Ana Fafe
Sob o sol escaldante, os nossos corpos banham-se na água fresca do regato. As temperaturas mais altas já se fazem sentir e as correntes translúcidas brotam da rocha entre ramos e árvores que bebem dos salpicos que brincadeiras de grandes, e pequenos, lançam para os ares, gerando vida. Parou! Parou! Não é nada disto. Estamos em plena primavera, a mais de um mês da estação quente, e este cenário idílico não está para acontecer e há muito que não se repete.
Houve alturas em que me banhei nas águas frescas dos regatos, no seu tempo, no momento em que assim deveria ser e é uma experiência, espiritual, que não se esquece.
No presente, debaixo dos raios abrasadores de uma primavera sem chuva, lamentamos comportamentos passados pois a terra já não é rasgada pelas águas que sobram e os pés não sentem a frescura da natureza. Proliferam agora, por sua vez, espirros e suores precoces, deixando doentes almas, e corpos, que procuram soluções desesperadas para os seus dias.
É a seca!. A que nos faz desejar voar para a lua e procurar outras terras pois esta já não responde. Olhamos ao redor e vemos os salpicos que rondam alguns campos do Alentejo e outros, em que a barriga da mãe abre estrias, as bocas que anseiam pela chuva que teima em tardar, condenando homens, animais e natureza a outras verdades.
Naquele verão, sem fadiga, rolámos na areia quente, trocamos forças, risos, gritos e ais, saciamos os nossos olhares ternos, vestindo à beira da noite roupas quentes que cortavam a brisa fresca de um mar azul, cheio de vida.
Neste tempo pedimos respostas a quem as pode dar no imediato, mas sem contrapartidas e os meios necessários. À volta dos montes, nos poucos que restam, a erva, verde, não cresce, as festas não se fazem e fala-se até em orações. E eu vou ali ver o sol se por, no amarelo da pouca sorte, para pensar no que temos hoje e no que vamos deixar amanhã!…
Já não há água fresca nos regatos, nem sei onde os encontrar. O tempo passou e agora só espero que não seja tarde de mais!.