dissidências e resistências
Vera Pereira
Parte significativa do trabalho realizado pelas mulheres, por não se lhe atribuir valor social ou económico, por não ser pago, não é visto como “verdadeiro trabalho”. Tarefas domésticas e cuidados aos filhos e dependentes são o grosso deste trabalho. E a participação dos homens não é suficientes para assegurar uma partilha equilibrada de tempo ou responsabilidade, o que gera profundas desigualdades nas vidas concretas de homens e mulheres (parece-me que “injustiça” é o termo mais apropriado 🙄).
Em Portugal o trabalho fora de casa, pago, tem hoje níveis aproximados entre homens e mulheres, mas o trabalho doméstico e a prestação de cuidados à família está longe de ser equitativa. Dados de 2000 revelavam que as mulheres dedicavam, em média, mais três horas por dia em atividades domésticas que os homens. Estudos recentes revelam um cenário muito semelhante: em média, o trabalho não pago, diário, é para as mulheres de 4 horas e 23 minutos e para os homens de 2 horas e 38 minutos, ou seja, menos 1 hora e 45 minutos. E não falamos de faixas etárias mais maduras, nos jovens a estatística é semelhante, por mais absurdo que possa parecer.
Em relação às tarefas domésticas, os homens tendem a realizar as que podem ser feitas fora de casa e exigem menos tempo, como lavar o carro ou mudar as bilhas de gás (isto não é piada, embora pareça). As mulheres executam habitualmente as tarefas mais rotineiras, de duração mais longe e em benefício de todo o agregado, paralelamente encaradas como menos nobres, como a preparação de refeições, a limpeza da casa e o cuido da roupa. O homem continua a ser entendido como aquele que “ajuda”, ao invés do que tem responsabilidade.
Isto traduz-se, inegavelmente, numa dupla responsabilização das mulheres pelo trabalho dentro e fora de casa, e, em bom português, na sensação de sermos empregadas dos pais, dos filhos e dos companheiros, que parecem presos no século XIX.
Continuamos a ver os homens como mais dedicados ao trabalho, a carreira, a desenvolver vários projetos ao mesmo tempo… pois… Não creio que muitas vezes nós, mulheres, não o façamos por falta de vontade ou de competências.