à primeira segunda do mês
Maria Manuel Coelho
Para escrever como se a alma nos saísse pelos dedos é preciso rasgar o corpo por dentro e, nem sempre somos capazes.
Não é só o coração que tem que se abrir. É o peito todo, é uma maré que sobe, visceral e, quando sai traz-nos inteiros, como sangue que circula veloz e nos esvazia, sem mais nada para dar.
Há muito que não o faço, talvez porque para o conseguir me falte o sol, o mar, um sopro de dourado, um cante ancestral. Talvez porque não haja quem mo mereça. Quem eu (d)escreva dessa forma tão plena, quem saiba cuidar dessas palavras, tão gigantes e frágeis. Enquanto não decido, adio.
Mas preciso de me reconciliar com a escrita. É sempre ela que me limpa as angústias e aponta o Norte ou o Sul, o meu Sul. Tenho andado escondida por aqui, à vista noutros cantos, fugida do facilitismo das redes sociais, onde nos expomos ao mesmo tempo que nos perdemos de nós. Talvez aqui me encontre.
Escrevo sempre de um fôlego, como se a avalanche de palavras não pudesse ser contida.
Sou capaz de matutar numa frase enquanto faço a vida normal, compras, carro, trabalho, café, casa. Ela ali anda comigo, espreita por entre um pensamento e outro, insiste, quer sair, precisa de ver a luz do dia. Quando sinto que me foge e quase a perco tenho que parar, deixar o que estava a fazer, sentar-me e escrever.
Depois de a ver no fundo branco do ecrã, uma palavra a encadear com outra palavra num namoro que encanta e dele nascer uma frase e outra frase e ainda outra e a história desabrochar, suspiro. A palavra aconchegada já tem lugar onde morar.
Posso voltar à vida normal, compras, carro, trabalho, café, casa.