
ars athletica
Sónia Calvário
Kofi Anan (2006) via no desporto um meio de alcançar a Paz e o Desenvolvimento: “com valores universais” e “linguagem mundial”.
O desporto é um fenómeno social e cultural com forte e crescente impacto económico sendo, simultaneamente, espelho da sociedade e instrumento catalisador de um ideal de modelo social. Através da sua prática promovem-se a saúde e a educação, facilita‑se a integração, potencia-se a coesão; desenvolve-se “o espírito de equipa, a solidariedade, a tolerância e a competição leal (fair play), contribuindo assim para o desenvolvimento e a realização pessoais (…), importante para a coesão económica e social e para uma maior integração na sociedade” (CCE, 2007).
O desporto, máxime Moderno, nascido do capitalismo industrial, assente na eficácia, no rendimento e no progresso, reflete a cultura da competição e do mérito, em que “todos podem ganhar e chegar ao cimo da hierarquia” (Costa, 1992), visando, a final, selecionar os melhores. É também, por vezes, reflexo das tensões sociais, pois que a “rivalidade no desporto é tanto maior quanto maiores forem as rivalidades sociais, regionais, nacionalistas e outras. E a ambição pela vitória é uma preocupação tanto mais acentuada quanto maiores forem as frustrações pessoais” (Esteves, 1967).
No dia 24, e desde 2010, celebrou-se o Dia Municipal para a Igualdade, este ano sob o lema «Pelo Combate à Pobreza e à Exclusão Social».
No passado dia 17, em que se assinalou o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, alguma comunicação social divulgou dados preocupantes: segundo o INE, em 2017, aumentou o risco de pobreza entre as crianças e jovens até aos 18 anos, representando o estrondoso número de 1.729.675 menores, que incluem 330 mil crianças. Importante é também reter a informação, avançada pela Rede Europeia Anti‑Pobreza, de que a população jovem entre os 15 e os 24 anos “é dos grupos mais vulneráveis às questões da pobreza e da exclusão social”, e de que “Portugal continua a ser dos países mais desiguais da Europa”.
Contudo, a marginalização pela própria sociedade de alguns, muitos, dos seus membros, não passa exclusivamente pelo fator pobreza. Existe também exclusão por deficiência. Não sendo de descurar que a deficiência potencia a situação de pobreza, nomeadamente nos casos de incapacidade grave, e que a pobreza condiciona a qualidade de vida do deficiente (e família).
E, neste campo da deficiência, é também importante olhar para alguns números: segundo a análise do Observador aos Censos de 2011, em Portugal existem quase 1 milhão e 800 mil pessoas (1.088.472 mulheres e 704.307 homens) com pelo menos uma incapacidade e quase meio milhão destas “não consegue executar pelo menos uma ação como ver, ouvir, andar, memorizar, tomar banho, vestir-se sozinha e até compreender os outros ou fazer-se compreender”. Saliente-se que 99% dos alunos com deficiência frequentam o ensino regular, dos quais 86% na rede pública.
Ao Estado compete garantir a promoção da atividade física e do desporto, de modo a promover o bem-estar individual e social, e em termos de igualdade no seu acesso. Pese embora as iniciativas legislativas e a existência de vários e diversificados programas no sentido da inclusão, quer das pessoas com deficiência, quer da população mais desfavorecida, nomeadamente aos níveis da educação e do desporto, os resultados não são animadores, uma vez que tem crescido o risco, designadamente na população mais jovem.
Como exemplo positivo podemos destacar o caso do Futebol de Rua, existente em Portugal desde 2004, pela mão da Associação CAIS, e já com significativa implementação no território nacional (e internacional), cujo objetivo é a capacitação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, através de uma estratégia de promoção da autoestima, do diálogo intercultural, da criação de novas aprendizagens. Não tendo dúvidas sobre os nobres objetivos e da diferença que procura, e consegue, fazer na vida de muitos jovens e famílias, não deixo de me questionar se não será o seu sucesso, ele próprio, uma forma de perpetuar o estigma, o rótulo, a exclusão social…pois que desejável seria que não houvesse necessidade de projetos como este. Mas há, pela ineficácia no combate das verdadeiras causas da pobreza e consequente exclusão, pelo que continua a fazer sentido, e é de valorizar o trabalho desenvolvido.
No que respeita à deficiência, fruto dos programas de inclusão verifica-se que o número de alunos nas escolas públicas cresceu e aumentaram os estudantes com deficiência no ensino regular, representando, atualmente, cerca de 7% da população escolar (pública).
O DL 54/2018 de 6 de julho reformulou profundamente a matéria da inclusão no sistema de ensino, desde o pré-escolar ao secundário, passando a prever a sua adaptação ao aluno com necessidades educativas especiais. As instituições de ensino, com escassos recursos humanos e com equipamentos e infraestruturas inadequadas fazem o melhor que podem. E como “faz mais quem quer do que quem pode” os alunos com necessidades educativas especiais têm Educação Física e Desporto Escolar. Acompanhados por professores especializados ou não, as crianças e jovens com deficiência podem praticar atletismo, basquete, boccia, futebol ou futsal, goalball, natação, ténis de mesa, vela, voleibol, entre outras modalidades, conforme o grau de incapacidade e os recursos de que as escolas dispõem. Basta espreitar a página da Federação Portuguesa do Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD) para nos apercebermos do número de modalidades desportivas adaptadas ou adequadas para pessoas com deficiência.
Os impactos dos programas de inclusão e o atleta de alta competição com deficiência são matérias que merecem uma análise e reflexão mais aprofundadas, e serão abordadas em breve.